A coluna de CONTARDO CALLIGARIS, na Folha de São Paulo de ontem, dia 12 de maio, fala da malfadada visita ao Brasil, que o presidente do Irã achou por bem adiar. E como Calligaris expressa em sua coluna exatamente o que eu penso – e acredito que muita gente pensa – sobre o assunto, acho oportuno divulgar seu texto:
"Ahmadinejad e Foucault
Temos a nostalgia permanente de uma coletividade em que poderíamos "descansar"
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, adiou sua visita ao Brasil.
Melhor assim. Ele é uma das figuras mais sinistras da praça política
mundial: uma encarnação do ódio assassino como solução para o fato de
que sempre há outros que vivem, pensam e sentem de uma maneira
diferente da nossa.
Há um problema no Oriente Médio? Simples, basta acabar com os judeus e
aniquilar o Estado de Israel. Isso lhe lembra algo que já aconteceu?
Não se preocupe: o genocídio é uma invenção sionista. Há iranianos que
pulam a cerca? Simples, basta massacrar as adúlteras, mesmo que tenham
sido estupradas. Há iranianos homossexuais? Eventualmente, "tinha" -
já não tem mais. E por aí vai, para todos os dissidentes, externos e
internos.
Ultimamente, em Genebra, quando Ahmadinejad falou, os diplomatas
ocidentais deixaram a sala. Os brasileiros apenas emitiram uma nota de
repúdio. Três razões:
1) O Irã é um bom comprador no Oriente Médio, e dinheiro não tem
cheiro. Discordo desse argumento neoliberal: o dinheiro tem cheiro,
sim, sobretudo quando vem numa mala de carniças.
2) Ahmadinejad extrapola porque está em campanha e se endereça à sua
base eleitoral. Quer dizer que ele se sustenta numa base que pensa
como ele? Pior ainda.
3) Campeão da coexistência de diferenças (étnicas, religiosas e
infelizmente econômicas), o Brasil pode ser um valioso mediador de
conflitos. Ótimo, mas o que significa mediar? Por uma limitação da
qual não quero me desfazer, eu não consigo ponderar os problemas do
mundo sem pensar nos indivíduos. E, conversando com Ahmadinejad, seria
assombrado pela visão de uma mulher tremendo de medo, num porão,
incapaz de invocar seu deus porque, segundo lhe ensinaram, ele está
inteiramente com um grupo de barbudos que, sentados no quarto de cima,
tomam chá e decidem quando ela será apedrejada. É um pensamento que me
dá nojo.
Reli os artigos que Michel Foucault escreveu para o "Corriere della
Sera", durante duas viagens ao Irã, em 1978, no começo da "Revolução"
Iraniana (em "Dits et Ecrits vol. 2, 1976-1983", Gallimard, e, em
inglês, "Foucault and the Iranian Revolution", University of Chicago).
Foucault me ensinou a enxergar a mão furtiva do poder, mesmo nas
sociedades aparentemente "livres". Como foi que ele escreveu uma
apologia entusiasta do que já prometia ser um regime totalitário como
poucos na história?
No sábado passado, neste espaço, Antônio Cicero também voltou a esses
escritos de Foucault -talvez inspirado pela visita iminente. Cicero
argumentou que o relativismo libertário (a ideia de que não temos o
direito de julgar regimes de verdade diferentes do nosso) levou
Foucault a defender um fundamentalismo que não reconhece nenhuma
verdade que não seja a dele. Concordo. O relativismo só faz sentido se
ele for uma exceção à sua própria regra: todos os regimes de verdade
são respeitáveis, salvo os que não respeitam a verdade dos outros.
Mas o que mais me impressionou, relendo Foucault, foi que, naquelas
viagens, ele não ouviu nenhuma voz de dissenso. Só percebeu a perfeita
unanimidade de um povo desejoso de se refundar "espiritualmente", além
de suas diferenças políticas. Talvez ele tenha saído de Paris já
decidido a encontrar, na "Revolução" Iraniana, o protótipo de uma nova
esperança coletiva.
Aparentemente, vale também para Foucault: sermos indivíduos é uma
tarefa árdua, que suscita a nostalgia permanente de uma coletividade
em que poderíamos, enfim, descansar. Algo assim: que venha a "vontade
geral" com a qual sonhava Rousseau e nos permita renunciar por um
tempo a nossas responsabilidades singulares!
Pois bem, Ahmadinejad nos lembra que a "vontade geral" se constrói
sempre sobre os cadáveres dos que não concordam.
Foucault achava que a psicanálise, levando-nos a falar sobre os
desejos sexuais, abre a porta para que o poder se insinue em nossa
vida privada. Pode ser, mas, para mim, o legado irrenunciável da
psicanálise é sobretudo a necessidade de pensar nas pessoas uma por
uma, sem ilusões e entusiasmos coletivos, ou seja, sem esquecer aquela
mulher que, no porão, ainda está esperando para saber a que horas será
apedrejada.
Presidente Lula, caso Ahmadinejad seja reeleito e venha ao Brasil, na
hora da foto oficial, peço-lhe, por favor, que o senhor pense nessa
mulher e se abstenha de sorrir."
ccalligari@uol.com.br
Como se pode ver, há muitas formas de escravidão pelo mundo.
E tantos anos depois da Abolição da Escravatura, que se comemora hoje em nosso país, ainda existe trabalho escravo no Brasil. Portanto, nada de "ilusões e entusiasmos coletivos", que não passam de purpurina jogada nos olhos da sociedade.
Atenção: neste site você pode assinar pelo veto à proposta do senador Eduardo Azeredo.
Se ainda não conhece, leia o texto do jornalista Pedro Doria aí abaixo, e os motivos pelos quais esse projeto atenta contra a liberdade e o bom uso da internet em favor da difusão da cultura e do conhecimento.
Transcrevi parte do artigo de Doria, que encontrei no blog Fio de Ariadne.
A campanha pela petição online está sendo divulgada por gente boa como a Luma e a Vanessa. Plenamente a favor da campanha pelo veto, peço a vocês que levem em conta os argumentos e se juntem a nós.
***
A lei do senador Azeredo e o que ela faz da Internet - Pedro Doria.
"(...)
Não é a questão de discutir se é preciso uma lei para regulamentar os crimes online. É bem possível que seja – mas esta é uma discussão para juristas. Esta é ruim por motivos vários. Dois deles:
A lei cria o provedor que delata. Se uma gravadora, por exemplo, rastreia que um usuário ligado ao Speedy em São Paulo ou ao Vírtua em Maceió está usando a rede Bit Torrent, de troca de arquivos, ela pode ir à Justiça pedir a identidade do sujeito. Telefónica (do Speedy) ou Net (do Vírtua) são obrigados a dizer quem foi. Não importa que, muitas vezes, os arquivos trocados sejam legais. O fato é que todo provedor de acesso se verá obrigado a manter por três anos uma listagem de quem fez o quê e que lugares visitou na web. É como se os Correios mantivessem uma lista de todos os usuários de seu serviço e que indicasse com quem cada um se correspondeu neste período de anos. É coisa de Estado policial e uma franca violação da liberdade.
Outro problema da lei é a proibição de que se ‘obtenha dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida.’ Vai uma pena de 2 a 4 anos, mais multa. O objetivo, evidentemente, é proibir pirataria. Mas imagine-se a loucura de ter a necessidade de provar que está autorizado a carregar qualquer informação colhida na rede.
A rede é, essencialmente, uma máquina de cópias. Carregou esta página do Weblog? Há uma cópia dela em seu HD. Um CD comprado só permite seu uso em CD players. A não ser que Herbert Viana ou outro dos Paralamas o autorize expressamente, nada de passar para o iPod. O Google está digitalizando milhares de livros fora de catálogo. Muitos deles têm o detentor do copyright desconhecido. Se o dono aparecer, eles tiram da lista. Em caso contrário, fica público. No Brasil, se o substituto do senador Azeredo for aprovado, esta que será a maior biblioteca pública do mundo será ilegal. Esse artigo é tão mal escrito que, no fim das contas, proíbe o uso da Internet.
É evidente que, acaso vire lei, ninguém a obedecerá. Vai virar letra morta de nascença. Mas isto é um problema. Afinal, há crimes sendo cometidos na Internet que devem ser punidos. Além de ter sido mal redigida, a lei do senador Azeredo nasce mais preocupada em proteger os interesses de empresas estrangeiras da indústria do entretenimento do que em proteger cidadãos brasileiros vítimas de crimes na rede. Há uma petição online correndo para encaminhar aos senadores. (...)"
8 comentários:
Gostei d eler. Mas a foto não é minha - foi encontrada algures na net...
Terrível e hedionda a situação descrita aqui. Pois é sobre cadáveres que se constrói a "vontade geral". Meu Deus! Quantas assombrosas caveiras devem existir sob o Gólgota, sob Sião. Ademais quando se percebe uma "vontade geral e poderosa" também desse lado em que estamos mirando o oriente. Seria nossa perspectiva emobotada por uma mais sutil vontade geral?
Olhe que o pêndulo oscila sobre Guantánamo e o Lula também não deveria rir tanto quando abraçasse o ex-presidente Bush Filho.
Abraço fraterno e solidário com os cadáveres dos dois lados.
Obrigada pela correção, Amélia. Beijos.
Eurico, olhando a história sob esse prisma, nem sei se dá votade de continuar sendo gente. E o pior é que... Melhor ficar calada =/
Abraço!
Que mundo é esse, gente? Para que eu quero descer!/
E o Brasil hein?
Eita terrinha de gente desgovernada...
Beijoins
AnaG
Oi Adelaide.
Se a memória não falha (falha!) quando Foucault, que não li, visitou o Irã, recém havia terminado, pela força das armas, o reinado de Reza Pahlavi, o Xá da Pérsia - que também não era um exemplo de tolerância democrática. Talvez as condições objetivas daquele momento ajudem a explicar a "apologia entusiasta do que já prometia ser um regime totalitário como poucos na história?"
Buenas, mas, humilde camponês, entendo pouco do assunto. Assim, vamos em frente.
Exterminar o diferente para atingir a "vontade geral" é uma prática sinistra que se repete através dos tempos - que o digam as etnias tutsis e hutus - na grande África - para citar um exemplo recente não tão óbvio. A intolerância não conhece fronteiras de qualquer espécie. É um patrimônio da humanidade. Triste, por certo. Mas assim são as coisas.
***
No mais, continuo me deliciando com tuas histórias curtas. Aliás, estou em busca urgente de uma namorada. Objetivo: ganhar de presente, em 12 de junho, "Como se livrar da Glória" (sim, sim, além de humilde e camponês, sou um oportunista). Torça por mim.
Beijo.
Às vezes a gente preferia ser orangotango, não é não, Ana?
Jens, darling, posso te mandar o livro em questão e deixar você mais livre para escolher a namorada, que tal? Me manda um e-mail com endereço que ele chega lá.
Beijo!
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