Esbarramos
neles a cada passo. Estão por toda a casa, nos espaços entre as poltronas da
sala, na escada da varanda, nas janelas dos quartos. Às vezes deitam-se na
cama, e quando à noite retiramos a colcha rolam para o lado; cheguei mesmo a
sentir o roçar de um deles na ponta do pijama.
Minha
mulher pisou num deles outro dia. Pelo menos acreditamos que isso tenha
acontecido, porque ela ouviu um pequeno grunhido e sentiu, embora muito
rapidamente, o pequeno volume que se retirava de baixo do bico de seu sapato.
Hoje de manhã comeram as duas torradas que deixamos
na mesa para o café, enquanto íamos escovar os dentes. Viraram a leiteira e o
leite estava todo derramado na toalha e no chão quando chegamos. E algum mexeu
na cafeteira, que deixamos ligada e encontramos fria.
Nunca
descobrimos de onde eles vêm nem como são exatamente. Intuímos que sejam muito
pequenos, porque às vezes, como já mencionei, pode-se perceber um leve volume
sob um lençol na cama ou causam algum deslocamento de ar, como se passassem correndo.
Ia me esquecendo de uma coisa importantíssima para atestar sua existência: eles
têm sombra! Ao sol ou à luz das lâmpadas, projetam uma mancha escura de formato
um pouco indefinido, ora mais alongada, ora mais redonda. Não se notam braços
ou pernas, e a cabeça, se a têm, deve ser embutida no corpo. O mesmo indivíduo
pode se desenhar com formas diversas no chão ou numa parede clara, e seus
movimentos devem ser ultra-rápidos, a julgar pelo tempo da projeção.
Não
sentimos medo deles; apenas nos incomodam um pouco. Os micos que às vezes
entram pela janela da cozinha são muito mais difíceis de aturar. Nem vou falar
dos mosquitos à tardinha ou dos gatos famintos que nos obrigaram a trazer um
cachorro para casa. Os animais não parecem perceber a existência deles, embora
de vez em quando Flash Gordon, nosso cão, olhe com desconfiança inexplicável
certos cantos da casa.
Ontem
à tarde saímos para procurar um apartamento perto da praça, onde há mais
movimento e algum comércio. Creio que um deles (ou mais de um) foi no carro
conosco e aprontou. A proprietária nos recebeu amavelmente, e nos mostrava
todos os recantos, armários e vantagens do imóvel, quando a porta da entrada
começou a ir e vir sem razão aparente. A mulher, que talvez acredite em almas
do outro mundo, foi ficando cismada e acabou deixando transparecer seu
desagrado e desconfiança com nossa presença. Por fim inventou uma desculpa
qualquer para nos despachar, querendo se ver livre daquele casal
mal-assombrado. Tivemos uma experiência semelhante há quatro dias, quando
tentamos fechar negócio com outra casa duas quadras abaixo da nossa. Era uma
linda casa clara, arejada, voltada para o sol da manhã.
Nessas
duas ocasiões voltamos meio desanimados. Principalmente ontem. Parece que eles
gostam muito de viver conosco e não pretendem nos deixar. Mas não vamos
desistir assim facilmente.