domingo

Conviver é...



Inevitável. Às vezes desejável; outras tantas, cansativo, tedioso e até irritante.


Convive-se em casa, nas calçadas, nos transportes coletivos – com sorte, num trem de metrô menos lotado ou num ônibus de horário mais tranquilo. Ou ocupando espaços impossíveis, no trabalho, no clube, na escola. Sentindo os odores alheios, ouvindo conversas estranhas e até aturando o assédio de algum sem-noção. Mesmo no carro, quase sempre leva-se alguém mais. Convive-se no mercado, no shopping, na igreja.

Melhor que seja em paz, se possível com amizade, solidariedade, simpatia. Quem não aprendeu desde cedo essa arte pode acabar machucando os outros e se machucando muito pela vida afora.

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Um link para visitar e ouvir John Legend cantando Motherless Child.

sexta-feira

Reflexões acima da ortodoxia

ou O que é de fora pode ser de dentro







Fora é um conceito relativo, um advérbio de lugar que todo mundo sabe o que quer dizer e uma palavra cujo significado exato nos escapa por completo. Posso considerar o lado de lá de minha janela como o lado de fora, mas não posso me furtar a considerações sobre o fato de que, estando eu do lado de lá das grades, não estaria do lado de fora, e sim dentro da área do condomínio onde se encontra meu apartamento.


Por outro lado, o que fica além dessa área – a rua, a pracinha em frente e o jardim do prédio fronteiriço, além do resto do mundo – constituiria então o espaço a ser considerado o de fora. Saindo do jardim do condomínio em direção à rua, esta continuaria a ser chamada de “lá fora”. Assim como o próprio jardim também pode ser considerado o lado de fora do prédio, estando eu nele ou não.


Será então o conceito de fora “aquilo que fica a céu aberto”? Mas há terraços a céu aberto que pertencem a uma residência, ficando então o morador à vontade nesse terraço por se achar dentro da sua casa. Levando adiante o assunto, digamos que estamos dentro de uma cidade chamada Rio de Janeiro e que além dos limites de seu município fica o fora do Rio de Janeiro. Também é verdade que estamos dentro de um país chamado Brasil – embora fora de muitos outros lugares – e que fora do Brasil é o estrangeiro. Mas um estrangeiro está dentro do seu país de nascimento e domicílio, donde se pode inferir que o estrangeiro também está, assim como eu, dentro e fora ao mesmo tempo.


Quanto às galáxias que povoam o Universo em que vivemos, não há certezas radicais quanto a indivíduos dentro ou fora de coisa nenhuma, mas para nós eles estarão sempre fora – exceto evidentemente se nossas naves intergalácticas conseguirem chegar lá, caso em que teremos caído dentro da galáxia também, só nos restando como de fora o espaço infinito que não sabemos se é mesmo infinito.


Se esse tal espaço for mesmo infinito e chegarmos a visitá-lo, amiguinhos, não nos restará mais lugar para ficar de fora, e a partir daí teremos que reformular nossos dicionários, gramáticas, vocabulário, organizações e instituições governamentais ou particulares, pontos de vista e sistemas de física e filosofia; deletar a idéia do fora, seus termos escritos, falados e derivados, além de toda e qualquer de suas representações físicas, mentais ou espirituais.


Seremos a partir de então criaturas definitiva e irremediavelmente dentro seja lá do que for, podendo-se inferir daí a difícil situação dos claustrofóbicos.