E de repente todos estavam longe, e ela, sozinha. Alguns viajaram, outros tinham programas dos quais ela não fazia parte – coisa de gente do trabalho, grupos da escola, reuniões e festas com amigos dos irmãos ou dos amigos que ela nem conhecia. Ficou sozinha em casa durante o fim de semana. A vizinha mais chegada, grande amiga, fora visitar a mãe e ficaria fora da cidade dois dias. O namorado a serviço num estado do Norte, distante como outro país. Respirou fundo, relaxou os músculos e sorriu. Não sorria de dentro pra fora, mas de fora pra dentro. Queria com aquele sorriso provar a si mesma que era possível. Ainda que fosse gregária demais, ainda que a companhia das pessoas queridas lhe parecesse uma condição de felicidade. Pensou em pessoas ainda mais distantes. Os que perdera de vista. Os que não voltariam nunca mais. Pensou neles, um por um, e sorriu para cada um. Os distantes, os queridos. Aqueles que logo estariam de volta. Todos existiam, mesmo longe dela. Era bom lembrar disso. Então, depois do exercício de lembrar, sorrir, amar de longe, sentou para trabalhar. Toda concentrada no que fazia, estava plena e satisfeita com a vida.
Parabéns, Estela! Te desejamos mil ideias, sempre, e toda felicidade do mundo. E obrigada pelos doces!
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Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena, já dizia o poeta
Recebido de Leonardo Sacco, do Núcleo de Relacionamento e Disseminação em Mídia Social da WebCitizen, empresa que presta consultoria ao Governo de Minas Gerais, com o objetivo de aproximar os cidadãos por meio da web. A reciclagem é hoje uma tendência generalizada, da gastronomia às artes plásticas. Essa é a proposta do mineiro Waldir Sérgio, natural de Ouro Preto, artista plástico que pode ser alinhado à estética expressionista. As esculturas montadas por Waldir – 70 peças – poderão ser vistas em Belo Horizonte na mostra Artes das Aparas.
A exposição, com abertura dia 28, às 19h, tem entrada franca e pode ser visitada entre 8 e 18h, de 29 de julho a 28 de setembro. Local: CMRR (MG) – rua Belém, nº40, Esplanada, BH.
Quanto às distrações que ameaçam os brasileiros, a pior de todas talvez seja ver que o presidente só pensa em outra coisa, ao bom estilo histérico de fingir que não está acontecendo nada que uns discursinhos delirantes não resolvam. Brasileiro tem bom coração, povo bom esse, se sensibiliza com qualquer desculpa esfarrapada. Além disso tem em comum com o alto dignitário essa paixão pelo futebol que às vezes facilita tanto a vida dos dignitários. Mais ou menos aquilo que Marx dizia da religião – um opiozinho para o povo.
Entendemos também perfeitamente que o presidente podia estar distraído na hora em que novos golpes eram combinados ao lado dele, acordos ominosos se fechavam sob seus olhos e autorizações de desmatamento eram assinadas a seu lado. Vai ver o eu do presidente pairava no céu dos altos desígnios eleitorais e das metáforas desastrosas, e quem estava ali era só o mim, esse ser superficial e leviano que nos serve de álibi quando agimos como irresponsáveis.
Texto relativo à Blogagem Coletiva proposta pela Vanessa de O fio de Ariadne e pelo James, de Minha Literatura Agora
O traço que marca o texto de Clarice Lispector, relativamente aos de outros escritores contemporâneos, é o desassombro, que pode ser entendido como poesia em estado bruto ou como inconvencionalismo total. Pessoalmente, prefiro a primeira hipótese. Primeiro porque, entre todas as definições conhecidas de poesia, prefiro aquela que não poupa os sentimentos ditos nobres ou delicados, muito mais indicados para uso interno – em relações interpessoais, amorosas ou familiares – do que para a literatura ou a criação artística em geral. Segundo porque sua franqueza crua e direta, capaz de abalar convenções e convicções intocáveis, condiz com a poesia, que é também um inconvencionalismo total. No caso do conto em questão, a poesia e a personalidade literária da autora ficam tão claras que tornam o texto quase paradigmático do uso das palavras e da visão de mundo em Clarice. O único modo realmente poético de falar dessa mulher que mais parece um macaco é expor o efeito que sua figura e sua mera existência causam nas pessoas ditas civilizadas, e esse efeito pode ser um susto, uma estranheza expressa sob a forma de enternecimento/piedade, ludicidade, fuga ou até repulsa. O fato de a mulher ser uma miniatura perfeita e ainda por cima estar grávida, além de ser surpreendente, abre um espaço para a ternura e ao mesmo tempo incomoda as pessoas, reforçando o sentimento de estranheza e um obscuro temor: quem a vê, pressente alguma ligação com ela, compartilha um pouco de sua natureza curiosa e repulsiva, que denuncia muito abertamente o lado grotesco de cada um, que o narcisismo repudia e se nega a reconhecer. As reações que o conto descreve ilustram bem o resultado desses sentimentos. O explorador, habituado às extravagências da natureza, sublima a figurinha que se coça em sua presença “onde uma pessoa não se coça” e desvia os olhos “como se estivesse recebendo o mais alto prêmio de castidade”. Há a “perversa ternura” da senhora que nunca se deveria deixar que chegasse perto de Pequena Flor, como o explorador nomeou a mulher-miniatura. Porque, como diz Clarice, “Quem sabe a que escuridão de amor pode chegar o carinho.” As palavras, que parecem expressar enternecimento, na prática, podem falar de outra coisa. Como explicar por exemplo os maus tratos e maldades praticadas contra seres tão enternecedores como crianças ou animais indefesos? Como interpretar a facilidade com que sentimentos amorosos se metamorfoseiam em crueldade e violência? Reduzir a mulherzinha a boneca é outro jeito de tomar o mal-estar nas rédeas, assim como fizeram as meninas do internato, que esconderam o cadáver da colega para brincar com ela, exercendo seu instinto maternal mais feroz – e negando a morte. Uma outra velha senhora sentencia que “Deus sabe o que faz”, o que poderia ser traduzido por “podemos ficar tranquilos, a culpa de sua existência não nos cabe e não temos nada com isso”. Nesse texto, que fala de amor e ódio como águas do mesmo rio, Clarice consegue extrair das palavras todos os matizes, o lado obscuro e o mais glorioso da vida, tantas vezes misturados de tal modo que não chegamos a entendê-los à luz da razão – essa senhora pretensiosa, mas inepta para ir além da mera teoria.
A Tertúlia Virtual se despediu da blogosfera deixando saudades. Uma bela iniciativa, que reuniu gente boa em torno de temas sempre interessantes. Eduardo e Jorge estão de parabéns pelo sucesso. Esperamos por mais ideias brilhantes como essa. :D
Do cineasta francês Jean-Luc Godard: "Cultura é regra, arte é exceção; e é da natureza da regra eliminar a exceção".
Essa assertiva, que me pareceu muito oportuna, está no post do dia 10, no blog Nâo Leia!, de Mayrant Gallo, escritor e professor, autor de O inédito de Kafka (CosacNaify, 2003).
No céu monótono dos confins em que me soterrei, um avião corta o silêncio. Posso dormir agora, não estou só. Sobre minha cabeça há vida. No meu quintal um cão quer comida. Julgo que talvez eu ainda possa também estar viva.
Andei uns dias meio longe da rede, e a partida de Rodrigo de Souza Leão me pegou de surpresa, assim como deve ter acontecido com muita gente que o admirava e acompanhava sua obra e o blog Lowcura. Muito novo – 44 anos – e tão incansavelmente produtivo, por que foi embora desse jeito?
Interessado em artes plásticas – embora reconhecendo que seu lugar era a literatura – Rodrigo foi também autor de imagens como essa aí acima, a que chamou A insustentável leveza do elefante. Deixou e-books, contribuições em revistas literárias, livros de poemas – o mais novo é O caga-regras, de 2009 – além da novela Todos os cachorros são azuis, que está entre os 50 livros finalistas do concurso Prêmio Portugal Telecom 2009.
Dois poemas de Rodrigo:
Tudo é pequeno
Tudo é pequeno A fama A lama O lince hipnotizando a iguana
O que é grande É a arte Há vida em Marte.
Toda a vida em um segundo
Morrendo a cada Dez minutos uma vez
O círculo se fecha E cada vez mais
O que vai indo vai Pra nunca mais
O que fica é o futuro Uma criança na foto
Por que nenhuma Mãe guardou
Nossas fotos Quando adultos
No dia 27 de junho passado, ele deu uma entrevista ao JB, intitulada Mais afeto com os loucos, incluindo uma crítica à abordagem feita pela novela Caminho das Índias à paranoia:
“Tudo bem, eu tenho paranoia: sou esquizofrênico. Mas ser tratado com descaso é o fim da picada. Tenho minha opinião sobre a forma como a loucura vem sendo tratada em Caminho das Índias. Confesso que não sou fã de novela. Nenhuma novela de televisão me atrai. Nenhum caminho me levará à Índia. (Até atores têm restrições a esse formato televisivo e autores conscientes sabem que estão tratando com um produto cultural que às vezes não atinge seus objetivos). Portanto, vou logo dizendo que não tenho nada contra Caminho das Índias, tendo tudo contra.”
Um grande talento literário, uma grande perda; um nome que vai ficar inscrito na história da literatura de nosso tempo. Mesmo de longe, um amigo a quem aprendi a querer bem, um artista do qual vamos sentir falta.
Um pequeno poema de Fernando Pessoa parece fornecer uma pista para a grandeza e a multiplicidade de sua(s) obra(s) e o motivo pelo qual foi capaz de produzir tanta coisa através dos heterônimos – que afinal seriam desdobramentos dele mesmo:
O que me dói não é O que há no coração Mas essas coisas lindas Que nunca existirão...
Esse trecho fala de uma realidade ainda não concreta, muito afim ao que nós chamamos de “o que poderia ter sido”, mas um pouco diferente, um pouco menos definida. Fingidor confesso, o poeta imagina coisas além do que ele mesmo já teria idealizado. Aquilo que permanece fora da percepção e do desejo imediato, e no entanto ele menciona:
São as formas sem forma Que passam sem que a dor As possa conhecer Ou as sonhar o amor.
Adoro mergulhar de vez em quando nesse tipo de divagação, que nossa cultura do pragmatismo evidentemente considera inútil e em muitos casos desprezível. Por que não imaginar o que está distante, o que apenas podemos supor, que não é passível de conhecimento? Por que não mergulhar no diferente, no que outros podem pensar? Não é um bom exercício imaginar uma outra vida que não a nossa, outro tipo de rotina e de sensibilidade? Na mais fraca das hipóteses, essa pequena aventura nos abriria os olhos e a sensibilidade para quem vive a nosso lado.
Quando ele conclui
São como se a tristeza Fosse árvore e, uma a uma, Caíssem suas folhas Entre o vestígio e a bruma.
está completando uma viagem sem estrada nem barco, que no entanto o levou bem mais distante do que qualquer via terrestre ou marítima poderia percorrer. E porque foi capaz de realizar viagens assim, Pessoa foi também capaz de nos deixar aquela quantidade excepcional de textos, poemas e histórias, fruto de sua criatividade fantástica. Uma criatividade que lhe permitiu inventar pessoas diferentes dele mesmo, parceiros imaginários de uma bagagem poética diversificada e riquíssima, de estilos e conteúdos tão variados.
Minha amiga mais recente me disse que, durante alguns anos de sua vida, pensou que um dia seria dona de uma loja de presentes, desses que a gente gosta de ganhar e de dar para fazer felizes aqueles que amamos. Também sou louca por objetos, coisas ditas inanimadas, mas capazes de animar as pessoas e criar ou modificar o ambiente onde se vive. Para isso, um objeto não precisa ser necessariamente valioso e caro. Ela tem caixinhas e descansos de mesa feitos de palha, porta-guardanapos de madeira e simples tigelas de uso diário escolhidos pelo desenho, porque são boas de usar ou porque lembram alguém que gosta de lembrar. A gente tem recursos pra mudar o exterior quando o interior está pouco convidativo. Ela parte para lojas de decoração, às vezes só pra olhar ou trazer para casa um cinzeiro original, um vaso bonito, um porta-retrato diferente. Tem uma coleção de caixinhas, adora luminárias e estantes, que nunca são demais para os livros que chegam sem parar. Também concordo com ela em que almofadas e mantas são ótimas de escolher e ver em casa. Gosto muito de conhecer a relação das pessoas com seus objetos. Meu pai tinha tinteiros de vidro onde molhava suas canetas de pena, pesos de papel de cristal que me faziam sonhar e um mata-borrão que eu adorava vê-lo manejar sobre o papel de tinta fresca, além da caneta-tinteiro, uma Parker preta listradinha de cinza que nunca esqueci. Os objetos têm uma importância que vai além do mero uso que fazemos deles. Falam de nossa vida, representam sempre alguma coisa que gostaríamos de lembrar ou esquecer, podem evocar acontecimentos de que nem lembramos mais, e que ficaram “embaixo do tapete”, mas ainda mexem conosco. São sempre signos, menos ou mais fracos. Nos ligam a pessoas que amamos e já se foram ou estão distantes e gostaríamos de rever. São testemunhas falando uma linguagem que às vezes só nós entendemos.
Aniversário é dia de ganhar presente
Nossa querida Cris, do Cris(es), faz anos hoje. Presentes, ela merece muitos e dos melhores. Mas como intenções não se materializam via internet, a gente manda imagens pra ela. Lá vai, Cris!
Aqui você encontra um poeta pouco conhecido que eu, particularmente, amo muito.
E aqui, uma coleção de músicas de que você vai gostar.