segunda-feira

Cantata de Bach à japonesa

Promoção de um celular com case de madeira, inventado por uma agência japonesa, esse xilofone gigante foi instalado no meio da floresta e filmado durante quatro dias, reproduzindo Jesus, alegria dos homens, da cantata nº 147 de Bach.


sexta-feira

Dentro de mim mora um anjo tipo B

 Nelson Rodrigues dizia que “o palavrão está corrompido pelas mulheres”. Numa entrevista publicada na Veja em 13 de março de 1974, quando foi lançado O Anti-Nelson Rodrigues, ele declarava: “Eu tenho uma profunda nostalgia do velho palavrão. Quando percebi que as mulheres começavam a dizer palavrões, eu me tornei na vida real o homem mais antipornográfico do Brasil. Eu não digo mais palavrões. (...) Tiraram a dignidade e o dramatismo do palavrão.”
Desconfio que a bronca do velho Nelson era mais da ordem da estética rodriguiana do que propriamente pelo fato corriqueiro de a mulherada ter liberado a linguagem, antes ou depois de liberar o resto. Na verdade, hoje o que perdeu a dignidade e o dramatismo não foi bem o palavrão. Se ele tivesse conhecido a mulher-melancia e a quitanda que veio depois, diria que tiraram a dignidade da bunda.
Mas o palavrão continua uma instituição inabalável. Nada substitui o auxílio luxuoso de um p*#@, de um c#*$&; na hora de uma topada e nos momentos de ira profunda, quando alguém nos irrita a níveis inenarráveis ou o telefone toca lá na sala exatamente na hora em que você entrou debaixo do chuveiro e começa a se ensaboar.
Lá de vez em quando deixo escapar unzinho ou outro, nesses momentos cruciais da existência. Mas tenho alguns substitutos para eles, resquício dos hábitos da família pequeno-burguesa onde cresci. Com a condição de que não queiram dizer mais nada do que o que o momento exige, acho que essas palavrinhas não me tiram de todo o gosto de reagir às agruras do dia-a-dia sem dar um mau exemplo escancarado aos mais jovens nem passar atestado de grossura em mim mesma. Tenho amigas e parentas que educadamente exclamam meleca, puxa ou cacilda; porém tais palavras não têm a força de um palavrão pornográfico, porque estão contaminadas de outros sentidos mais usuais, e por isso mesmo não chegam a expressar de modo satisfatório o estado de espírito que o momento requer.
Costumo apelar para termos tais como bláumida, adjuricaba, carmenótipa, simônjara trepódica, expressões que me vêm quando estou puta demais da vida. Não querem dizer nada que alguns palavrões já consagrados não pudessem resolver. Mas não ando dizendo palavrões a torto e a direito, minha educação não permite. Então, e já que não sou o anjo que a família gostaria de ter produzido, inventei, ou melhor, deixei virem à tona essas palavras, palavrões exclusivos em estado puro. Elas foram criadas em momentos de raiva, dor ou falta de alternativa para mudar alguma situação que exigia reação verbal à altura. Dessas que, se você aguenta calado, perigam te fulminar com um infarto. Respeitadas as condições aqui expostas, posso emprestá-las a vocês, que também foram educados pelos códigos celestes e sofrem de supereguite que nem eu. Mas veja lá, não me corrompam a integridade dessas palavras violentas com futilidades como as reportagens da Caras, comédias da sessão da tarde ou o bbb.

quarta-feira

Corola

 Imagem Google.

Olhou para fora e viu as vitrines de todos os dias em seus lugares de sempre. Entendeu que as coisas reais têm um modo próprio e secreto de ser que não entenderemos nunca e que nada tem a ver com o que nos parece, embora sempre nos pareçam de algum modo diferentes a cada vez que as vemos e experimentamos. E que talvez seja melhor conceder um pouco mais ao que está do lado de lá para sentir-se menos responsável ou menos ferida, mais liberta, capaz de ver e sentir com alguma isenção. Porque já chega ter que conviver com a rotina e o desencanto das lembranças, e ter que existir como uma corola que teima em não se fechar e fica recebendo o mundo no coração.


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