Nova Objetividade. Otto Prix, Alemanha.
Quando eu era criança –
uau, faz tempo – usava-se a expressão “fazer artes” para explicar que o garoto
era levado, bagunceiro e irrequieto. Tive vizinhos que eram exemplos impecáveis
de meninos arteiros, viviam de joelhos ralados e equimoses por todo o corpo, de
tanto cair, esbarrar e se acidentar. Um deles – o Agnaldo, nunca esquecerei
dele – quebrou a cabeça tantas vezes que as enfermeiras do pronto-socorro para
onde a mãe o carregava nessas horas já faziam piada. Nem poste escapava da
cabeça do Naldo.
Mas além desses arteiros,
existem outros, não mais crianças, que fazem artes com a pretensão de fazer Arte.
É difícil distinguir, às vezes, se o que vemos é uma instalação ou uma
impostura, um quadro ou o ato impulsivo de um autista em crise.
Não tenho absolutamente
nada contra arte conceitual, abstrata, obras contemporâneas realizadas por
gente que sabe o que está fazendo e é capaz de, mesmo usando material nada nobre, apresentar coisas novas,
emocionantes ou que nos faça refletir pelo valor estético e pela criatividade.
Tem que haver ao menos um material, uma forma ou fragmento de forma, uma cor,
uma sugestão qualquer que desperte interesse e dê vontade de contemplar, nem
que seja pelo fato de contrariar o que nossa noção de arte considera como tal.
Um dos exemplos mais conhecidos
desse tipo de artista é o trabalho pop dos grafiteiros, imagens dinâmicas,
coloridas, festivas ou não para os olhos. Tenho visto verdadeiras obras de Arte
maiúscula espalhadas por aí, longe da proteção dos museus, assinadas por
ilustres desconhecidos que no entanto bem mereciam o reconhecimento da Cultura
oficial. É claro que entre eles também existem os bicões, o que é fácil de
explicar. E nem falo dos pichadores de fachadas, que não passam de uma triste
praga da cidade.
Pior é o cara que tem
acesso a uma exposição séria e,
infiltrado entre artistas respeitáveis, deixa lá um trabalho inexpressivo e
vazio de significado. Já demorei três vezes mais diante de uma instalação ou
pintura que não me dizia nada, do que diante de uma obra de Vick Muniz ou Van
Gogh. Tudo para evitar ser injusta com algum gênio incompreendido, querendo
captar que coisa ou coisas estaria ele querendo dizer com aquele montinho de
folhas rasgadas ou sacos plásticos iguais aos que a gente atira todo dia
lixeira abaixo e que, por si mesmos, nada mais dizem do que... lixo. É preciso
um gancho, uma referência, um cenário, algo que estabeleça um estado de coisas,
um desequilíbrio, um incômodo, contraste ou harmonia dignos de atenção. Arte
pressupõe interseção de diferenças, o reconhecimento de alguma coisa que nos
tire da mesmice. A sensação de estar sendo enganado paira no ar sobre certas
obras – vá lá – de arte. Acontece que arte sem expressão parece uma contradição
em termos.
Talvez o que mais motive alguém
a lutar contra o impulso de virar as costas a esses supostos artistas seja a
lembrança de que também Van Gogh foi rejeitado por seus contemporâneos, a ponto
de não ter conseguido vender um único quadro enquanto estava vivo. Mas consola
reconhecer que o holandês fez bem mais que rasgar umas folhas em branco ou
juntar resíduos em sacos de supermercado, estabelecimento desconhecido no tempo
dele.
Estou no blog Azul Temporário, do Marcantonio. Feliz da vida, diga-se, porque um poema de Marco é um presente e tanto.