sábado

Allende em Turim

Isabel Allende é uma das melhores contistas que conheço.
Opinião pessoal, é claro. Mas se você ainda não leu Contos de Eva Luna, leia que vale a pena.
Mais conhecida pelo autobiográfico Casa dos Espíritos, que deu um bom filme com Jeremy Irons, aquele gato, e Meryl Streep, é autora de mais 14 romances, um livro de memórias, três de contos e três peças para teatro (tá na Wikipédia, vai lá).

Mas a sobrinha de Salvador Allende não é só uma escritora das boas, mas uma mulher de ideias claras e opiniões definidas. Feminista (ainda), ela articula seus pontos de vista com grande propriedade e humor.
Achei uma delícia assistir ao vídeo aí abaixo. Podem conferir.







Primeira Fonte
tá jorrando de novo e espera seus leitores de braços bem abertos.

domingo

A propósito de estrelas



Ela já foi chamada poeta-pop.
Depois chegou-se à conclusão de que o título não esgotava o assunto.


É de Adília Lopes, poeta portuguesa de nosso tempo, o poema a seguir.




Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com as estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas



Adília Lopes, in
Desfogados pelo vento.
A poesia dos anos 80, agora,
Antologia de Valter Hugo Mãe, Ed. Quasi





Mensagens 'proféticas'

Uma coisa.
Ando recebendo mensagens que falam do futuro próximo deste país (onde nunca dantes aconteceram coisas tão importantes) que se prepara para eventos como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas Internacionais,  2016. São mensagens até engraçadas, às vezes, mas todas preveem que os brasileiros vão pagar muito mico por conta desses acontecimentos.
Também sinto certo frio na barriga, pensando nisso - o que tinha que ficar pronto até lá e não vai ficar, as repercussões desses eventos, a respondabilidade da turma aqui da casa, que nunca se sabe, sem falar na competência requerida para dar conta de tudo. Governos de todos os níveis, abram o olho; órgãos de segurança, segurem-se. Fazedores de superfaturamentos, por favor, deem uma colher de chá à reputação de nossa terrinha..
Restam os santos, alguns até brasileiros. Pode ser que exista um santo ou anjo especializado em proteger contra micos, para os quais convém começar a orar com fervor.


eu crio estados como quem cria bichos e hoje é dia de gatinha

quarta-feira

Hematófago



cego na frente do espelho
o escuro descendente do vampiro
morde a noite


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Para quem gosta de escrever

EXERCÍCIO DAS PROIBIÇÕES

Este exercício, usual em oficinas de literatura, foi extraído de uma oficina dada pelo crítico José Castello.

Escreva um conto, que tenha no máximo 5 mil caracteres com espaços, ambientado na praia de Copacabana.

As 100 palavras que constam da lista abaixo não podem ser usadas, estão proibidas. A idéia desse exercício é levar o aluno a refletir sobre as facilidades oferecidas por clichês, lugares comuns, e tudo o mais que escrevemos "sem pensar". Eles podem ser úteis para a publicidade, para o marketing, para a propaganda, até para o jornalismo – não para a literatura.

1- água de coco; 2- amendoim; 3- areia; 4- asa delta; 5- avião; 6- barco;
7- barraca; 8- barriga; 9- bermudas; 10- bíceps; 11- biquíni; 12- bicicleta
13- biscoito; 14- bola; 15- boné; 16- bronzeador; 17- bunda; 18- cachorro;
19- calçadão; 20- calor; 21- camarão; 22- caminhada; 23- campeonato; 24- canga;
25- cedê; 26- cerveja; 27- céu; 28- chapéu; 29- chinelo; 30- chuva; 31- cochas;
32- cooper; 33- COPACABANA; 34- conversa fiada; 35- domingo; 36- ducha;
37- esporte; 38- esteira; 39- estrela; 40- flacidez; 41- futebol; 42- futevôlei;
43- galera; 44- garota; 45- garotão; 46- ginástica; 47- horizonte; 48- ilha;
49- jornal; 50- livro; 51- lua; 52- mar; 53- mate; 54- mulher; 55- músculos;
56- namoro; 57- navio; 58- oceano; 59- óculos; 60- óleo; 61- ondas; 62- panfleto;
63- paquera; 64- patins; 65- peitos; 66- pelada; 67- peteca; 68- picolé; 69- praia;
70- prancha; 71- propaganda; 72- protesto; 73- protetor solar; 74- publicidade;
75- quiosque; 76- rádio; 77- rede; 78- refrigerante; 79- revéillon; 80- revista;
81- sábado; 82- sandália; 83- sexo; 84- show; 85- sol; 86- som; 87- soneca;
88- sorvete; 89- suco; 90- sunga; 91- suor; 92- surfe; 93- tanga; 94- tênis;
95- tira-gosto; 96- toalha; 97- trânsito; 98- turma; 99- vôlei; 100- voo-livre.

domingo

Lucubraçoes póstumas do marechal

Hoje, dia de comemorar a proclamação da república (assim com letra minúscula mesmo), dou voz ao marechal Deodoro da Fonseca, dono da festa.


Vocês não conheceram o Exército daquele tempo. Era bravo, íntegro, valoroso. Impetuoso, digno, abnegado. Merecia todo reconhecimento, toda honra, toda atenção. Era injusto que o postergassem, que o ignorassem ou não lhe atribuíssem o devido valor.

Primeiro foram aqueles quatro anos às voltas com os problemas criados por alguma inabilidade da Regência, mas acima de tudo pelo temperamento rebelde daquela gente – tinhosa, como eles mesmos se chamavam, – avessa a cabresto, indisciplinada por natureza. Tinha eu vinte e um anos, acreditava – como ainda acredito – na importância da ordem, do pulso firme. Disciplina é chave na vida militar, essa disciplina de máquina bem azeitada, de canhão que tem que estar pronto pra disparar na hora exata.

O povo não pensa nisso. Quer conseguir, não só o que ainda não tem, mas o que acha que vai perder. O povo se sente sempre ameaçado, tem medo que as coisas fiquem mais difíceis do que estão.

Ainda vejo a rua da Praia a ferver. Recife nunca mais seria a mesma cidade pacífica depois daquilo. O Antônio Pedro de O Progresso ajudou a inflamar os ânimos e, embora eu não pretenda condená-lo por seus artigos incendiários, ainda me parece que foi leviano o modo como conduziu seu jornal, que acabou se queimando no próprio fogo.

Os pobres sempre precisam de coisas de que ninguém se lembra, só eles. A coisa vinha de longe, da Europa, e uma das pontas veio estourar aqui. Lá eram os donos de terra, a riqueza nas mãos de poucos. Aqui era isso e mais a questão dos escravos. Convenhamos, panos para mangas. Juntaram-se os que não tinham nada com os que não tinham coisa nenhuma, uma aliança perigosa, já que os torna muito mais numerosos e reúne cobiça e muita raiva acumulada. Qualquer gotinha faz transbordar, e quando isso acontece em geral é uma inundação. De todo modo, era uma demonstração de estultícia daquela gente acreditar que eu poderia querer a restauração da monarquia.

Mas as questões da política são assim, surpreendentes e cheias de incoerências. Muitas cabeças, opiniões demais, sempre se acaba num rumo de irracionalidade. O importante é que o dignitário do momento mantenha a cabeça fria, e que vise mais o bem da pátria do que a manutenção do poder nas próprias mãos.

O que aconteceu no Paraguai foi maior; durou seis anos e liquidou mais de três dezenas de milhares de soldados. Exército e Marinha em ação, coisa de importância. Rendeu-me a capitania, mas derramou muito sangue. No Paraguai então morreu gente a dar com o pé, pelas armas e pelas doenças que se espalharam. O país também nunca mais iria sarar. Contraiu uma anemia crônica depois dessa guerra, e hoje vejo o estrago que causamos lá. Ainda bem que a culpa não foi nossa, mas do Solano.

Fico daqui do último andar desse prédio, antigo QG, onde depois construíram o ministério da Guerra quando o Rio de Janeiro era a Capital – bons tempos! –, vendo o movimento, e fico meio tonto. Parece um formigueiro. Em frente, o campo de Sant’Ana, o sobrado de esquina onde eu morava, os prédios vizinhos, tudo ainda muito familiar, apesar dos anos. Era uma casa bem típica, salas na frente, chão de tábuas corridas, os quartos enfileirados. Ainda vejo o grupo de sofá e poltronas de palhinha em volta da mesinha oval, de pernas altas torneadas, na sala de visitas, a mesa comprida de jantar, o lustre de cristal, o teto de madeira trabalhada. Está um pouco estragado agora. Tombamento só serve para o que se vê por fora, é o diabo.

Aqui por trás desses prédios começou a primeira favela, assim que libertaram os pretos. Subiram o morro, arrumaram casebres para se abrigarem de sol e chuva.
Dizem que o imperador exclamou “estão todos malucos!”, quando ouviu a notícia no dia 16. Homessa. Essa gente da nobreza não consegue identificar o que se passa com os pobres.


Maravilhosa, essa garota ucraniana



Kseniya Simonova é uma garota ucraniana, que acaba de ganhar o concurso Talentos da Ucrânia.

Ela utiliza uma grande caixa iluminada, música dramática, a imaginação e sua habilidade de 'pintar' com areia para interpretar a invasão e ocupação do seu país de 1941-45.

Ela conta uma história completa apenas movimentando a areia na mesa, usando somente as mãos para criar estas imagens.

quinta-feira

Passado com passas




 
o abraço dobrado
e o bom passadio
de passas no arroz
era a vida dos dois
lareira no frio
praias no verão e
a vida passando
como o ferro passa
e o trem já passou

depois do passado
em que a história acontece
ficou só presente
onde nada mais passa

o presente é um roteiro

que nem começou





As time goes by










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Em tempo: veja aqui outros lances sobre o caso da Uniban - ECA!
Veja também Milton Ribeiro, devidamente nauseado.

segunda-feira

A minissaia desabou sobre a universidade


Maior sucesso. Ela foi à aula de vestido cor-de-rosa beeeem curtinho, desfila daqui, desfila dali. Mexeu com a cabeça dos meninos/as mais e menos conservadores/as, agitou as massinhas, despertou sentimentos desencontrados – inveja, insegurança, escrúpulos residuais, medo do diferente e, talvez mais que tudo, desejos tanáticos, vontade de agredir, de descarregar a raiva, os ódios e as frustrações em alguém, tipo joga bosta na Geni. Rebu e xingamentos, baixo calão liberado.


As primeiras reações vieram de pessoas circunspectas, mestres, jornalistas do politicamente correto e também genuínos libertários, todos condenando a reação da turba, defendendo a liberdade de se apresentar como bem se desejar, o direito sagrado de não saber se vestir de acordo com a ocasião e até de não ter noção de estética. Não era caso para tentativa de linchamento e ameaça física à moça - essa sim, uma infração grave. Nem podia ser, porque a minissaia é coisa do tempo de nossas avós e está incorporada aos usos da civilização ocidental. À primeira vista, a porção sensata das pessoas concordou com essa primeira reação.


Mas aí veio a segunda, partida da direção da universidade: alegava-se provocação, rebeldia, resistência à voz da autoridade por parte da minissaia rosa. Não se disse nada sobre a violência sofrida por ela, a coação e o risco que correu. Só a provocação e a rebeldia da agredida foi mencionada. E tome expulsão, pena máxima para infratores numa instituição de ensino. Nem tchum pros instigadores da agressão, os puxadores do cordão catártico, os possíveis/prováveis linchadores. Talvez tivessem recebido alguma sanção (branda) se tivessem chegado a lesar fisicamente a provocadora, que de qualquer modo iria para a rua.


Entre ter um trabalhão para investigar, identificar e punir os numerosos agressores, perdendo talvez dez ou quinze clientes pagantes, foi muito mais fácil pegar a vítima – que era uma só e não desfalcaria tanto as finanças da instituição. E de quebra, ainda se agradaria aos pais e responsáveis de mentalidade estreita dessa galera que, reunida, pode ficar tão feroz e perigosa, mas individualmente é apagada e pobre de espírito.


Pitboys, uni-vos para zelar pela moral e pelos bons costumes, e vossas ações acharão acolhida entre os escribas e fariseus manipuladores, que põem o lucro acima de qualquer valor.

A essa altura, leio a manchete na Gazetaweb.com de O Globo:
Expulsão de estudante por minissaia chega à Câmara
Deputados propõem à Comissão de Educação e Cultura audiência pública para que reitoria de universidade exlique expulsão de aluna por causa da roupa

E aqui, MEC quer esclarecimentos da Uniban sobre explusão de aluna
Resolvi esperar pra ver. Ao menos, restava uma esperança de sensatez no fim do túnel.

E agora, afinal, aqui, leio que a universidade desistiu da expulsão da aluna.

Cada um vai tirar suas próprias conclusões.

Quanto à minha, sem querer continuar nesse reino obscurantista da tal universidade, só queria saber o que que esse pessoal tem contra a minissaia.

UP-DATE: Veja aqui o excelente texto de Contardo Calligaris sobre o caso da Uniban.





Também estou no Primeira Fonte, jornal eletrônico das queridas amigas Esther Lúcio Bittencourt e Ana Laura Diniz, que volta a circular em nossos monitores. Uma leitura instigante, legal e rica de ideias.

sexta-feira

Lévi-Strauss, ficamos te devendo


Difícil para novatos no assunto, riquíssima em conteúdo e absolutamente inovadora, assim é a obra de Claude Lévi-Strauss, o pesquisador que o mundo perdeu nesta semana. Vale a pena conhecer melhor sua história e seu trabalho.


Pode-se dizer que "aquela sensação de busca que temos em todos os seus textos", como diz Ondina Fachel Leal, caracteriza o estilo do antropólogo mais bisbilhoteiro do século XX.


Visita a Mariana

Sempre uma delícia, essa gracinha de cidade de céu imbatível e ambiente de sossego que é um oásis pra quem vive correndo de bala perdida. Também pesa, e muito, o fato de rever pessoas e pessoinhas que moram no coração da gente.
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O Himalaia em Búzios
“Pedro Álvarez Cabral e os Tupinambás nunca souberam que há 520 milhões de anos Búzios era uma cadeia de montanhas da altura do Himalaia.”

Esse e outros dados aqui.
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Superinteressante

Conversando é que a gente se entende - Dicionário de expressões coloquiais brasileiras é o nome do livro sobre expressões, bordões, ditados e gírias de nossa língua, com a respectiva pesquisa sobre as origens e distorções, às vezes hilárias, que lhes deram outro sentido. O autor é o professor de português Nélson Cunha Mello. Vale a pena.

terça-feira

Um comentário sem pretensões





O que a vida e o mundo mudaram dos anos 1980 para cá é uma grandeza. Nossos pais e avós não imaginariam tanta mudança em tão pouco tempo.

Verdade que já se anunciavam novidades naqueles anos em que ainda havia algum espaço para o conservadorismo. Em abril de 1980 morria Jean-Paul Sartre, um dos responsáveis pela revolução dos costumes, que já começara desde o meio do século XIX, principalmente depois de Freud, mas andava bem devagar, comparada ao ritmo acelerado que viria depois dos sixties do século seguinte. Sartre e seus seguidores ajudaram a implantar de vez, nas sociedades ocidentais, a visão mais libertária – e, comparada à do século anterior, mais libertina – da moral vigente.





Em dezembro morria John Lennon – integrante dos Beatles, esses roqueiros inesquecíveis – que deixou também sua marca na mudança da mentalidade política, como ativista pela paz. Também em dezembro de 1980 morreu o nosso Nélson Rodrigues, revolucionário das letras, que aqui no Brasil escancarava a realidade do comportamento humano contra toda hipocrisia, em seu teatro e nas crônicas, contos e romances.


Só esses quatro nomes já seriam suficientes para ajudar a entender as mudanças sociais e filosóficas que dariam o empurrão final no rumo do que somos hoje. Mas houve muito mais depois deles. E nem vamos falar dos avanços da tecnologia, que ficam pra outra despretensão.

PS - Não se impressionem com o excesso de freuds por aqui. Foi só coincidência.






Recadim

Acho que devo um pedido de desculpas pela ausência – não a desses dias, em que, além da viagem, o furacão teve outros, com licença da palavra, epicentros – problemas de saúde em família, atividades de trabalho etc. As desculpas são pela falta de visitas e comentários aos amigos mais queridos. Não consegui tempo e acesso fácil. Vamos tentar agora reatar nossas trocas, quase sempre muito gostosas. Até já, meninos e meninas.


Imagem Claudia Porto.

Pronto.
Depois do mergulho, e sem muitas novidades além do visual e das cores, estamos aí.
Obrigada pela espera e pelo carinho