segunda-feira

O silêncio


Mudei pra uma rua – pene-rua, quase-rua, mais-um-pouco-e-era-uma-rua – onde não se ouve nada. Minto, ouve-se às vezes o manso sussurrar de um riacho que passa do outro lado. Quando as águas se agitam pela chuva, imagino. E só.

Parece que mudei para o interiorzão. Em frente às janelas, três amendoeiras das grandes, galhos se movendo, cheios de passarinhos. Felizmente minha gata term juízo e se segura antes de se atirar no vazio. Fora essa inquietação, parece que mudei para um oco no tempo.


Diz o Luís Vilela, aquele que escreveu Cabeça e Tremor de terra, dois dos melhores contos que já li, que o melhor ambiente para um escritor é o silêncio e a ausência de interferências em seu trabalho. Concordo até certo ponto. Há horas em que o silêncio é uma bênção, uma necessidade, e aí fica tudo odara. Mas às vezes, várias vezes ao dia, essa persistência do silêncio cria uma espécie de massa de nada nos ouvidos. Nunca ouvi tanta música como agora. É até legal, porque enquanto estou em casa ponho em dia meus cds em atraso. Mais uns dez e posso dizer que já ouvi tudo que juntei nas últimas décadas. Quando morou na Suíça, Clarice Lispector falava do silêncio de Berna como um personagem com vida própria, que a seu modo enchia a noite e ficava um pouco aflitivo, até um pouco assustador. Às vezes lembro dela por causa desse silêncio.



No começo achei que tinha encontrado o lugar ideal pra escrever, pintar um pouco, ler os livros ainda virgens nas estantes. Mas em algumas semanas comecei a pensar em Ulisses e seus homens de ouvidos tapados com cera para escapar ao canto das sereias. É preciso misturar um pouco de agito nisso tudo. Lambuzar o silêncio de coisas palpáveis. A vida não é tão silenciosa. E não se escreve nada que preste sem antes ter ouvido muito o barulho da vida.


Esse silêncio de minha rua grita por vozes. Me tira do sério. Me tira do Rio. Me tira de mim. Que venham as sereias.

6 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Eu não preciso de silêncio.
Mas com muito barulho, não consigo escrever.
Beijo, querida amiga.

Unknown disse...

Dade!

Sempre escrevi no barulho. Ao som de freadas, ambulâncias, sires de polícias, gritaria no bar, por isso às vezes escolho a madrugada para escrever. Deve ser muito bom a quietude, sem tiros, sem explosões.

Sucesso. Mas aonde quer que esteja, sua produção é sempre perfeita.

Beijos

Mirze

dade amorim disse...

O silêncio tem valor diferente para as pessoas, já tinha reparado. Às vezes fica importante.
Beijo!

dade amorim disse...

Quem trabalha com texto ou qualquer tipo de atividade criativa precisa de algum silêncio de vez em quando. Agora tenho muuuito! :)

Beijo beijo.

Nanda disse...

Dade, eu sou dupla libriana, então, pra 'variar', gosto de equilíbrio...rs - Um tantinho dos dois; sem exageros, mas acompanhando as tarefas diárias. Beijos, querida.

dade amorim disse...

Conheço librianos de muito perto, te entendo bem.

Beijo, querida.