segunda-feira

Uma história incompleta

Líria se debatia entre o desejo de se vingar, digitando freneticamente um número inimaginável de mensagens confusas e mentirosas, e os telefonemas de Larissa, inconformada com a tristeza da amiga. Estava quase convencida a abrir o jogo, contar logo tudo e, quem sabe, estragar mais um pouco a vida de Pôncio. Mas à medida que gastava sua energia e inventividade naquela maratona maluca, a voz da outra lhe despertava uma espécie de piedade, que ela a princípio rejeitara como uma bobagem sem qualquer efeito positivo para ninguém. Numa tarde em que se sentia particularmente desgostosa de tudo, a amiga a convidou para jantar em sua casa. O primeiro impulso foi perguntar se o crápula – “nosso amigo Pôncio” – estaria lá, o que a tentava e repelia exatamente na mesma proporção. – Nada, minha filha, Pôncio anda fazendo serões intermináveis por conta da tal história do estádio, você nem imagina. – É mesmo? Líria teve que controlar uma risada, despropositada no momento. Combinado o jantar, passou na florista da esquina antes de ir para casa, porque Larissa merecia, mas antes, parada diante do quiosque, foi acometida por um impulso meio indefinível. Era como se fosse uma traição levar flores para a amiga cujo marido ela odiava e queria ver destruído e fracassado. São duas pessoas diferentes, ai, muito diferentes, discutia consigo mesma, enquanto pagava o vasinho de orquídeas rosadas. Verdade que gostaria muito que aquelas flores lhe dessem um bruto azar, que não devia atingir a amiga. Depois de novo refletiu sobre o assunto, como se quisesse fugir da evidência de que destruir um marido no prazo de validade era atingir também a mulher, que na certa iria sofrer com isso. Nenhum argumento seria capaz de abalar uma realidade tão cristalina. E havia os filhos, um casalzinho de pré-adolescentes lindos, embora levassem nas faces os traços amaldiçoados do pai. São filhos dele, mas não o mesmo, tornou a pensar, enquanto entrava no banho.
Chegou à casa de Larissa ainda perturbada por pensamentos incômodos que não conseguia afastar. Mas quando saiu, lá pelas dez e meia, estava mais tranquila, e a outra se declarou satisfeita com a mudança. – Que bom que está conseguindo dar a volta por cima, Líria. Eu sabia que você ia conseguir, sua cabeça sempre foi muito boa. Além disso, a vida de trabalho que você leva ajuda a se recuperar, a não se entregar. Agradeceu e saiu pensando que a outra devia ter razão nesse ponto. Mas a vida cheia de trabalho que estava levando não era bem a que Larissa conhecia. Foi andando para casa, a noite estava fresca e agradável, toda estrelada, e ainda havia algum movimento nas ruas em que devia passar. O que enchia seu tempo nessas últimas semanas não era o trabalho da empresa, que nem chegava a ocupar seus pensamentos fora do horário regulamentar. O que enchia seu tempo de preocupações e atividade durante esses dias era um objetivo alheio a Laio e ao divórcio. De qualquer maneira, a luta para tirar do caminho a pedra que a fizera tropeçar não deixava de ser uma distração. O resto se veria depois.


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