terça-feira

Uma história incompleta

Foi daquelas amizades que a gente imagina sem fim. De antes de se casarem, bem antes. Passaram juntas no vestibular e durante aquele mesmo ano conheceram Pôncio, já no final do curso, estagiário do jornal onde estava até hoje. Laio viera depois, era um pouco mais velho que elas. Líria olhou as fotos até que os olhos começaram a misturar as imagens. Já no primeiro ano tinham se tornado inseparáveis. Jogou o álbum na mesinha de centro e riu, enxugando os olhos, coisa fora de moda ter um álbum de retratos tão careta. Mas sem ele, como iria rever as caras jovens e os olhos brilhantes daqueles dias? As digitais mais recentes estavam no computador, mas não pretendia perder tempo derramada sobre o passado que Pôncio – e Laio! – tinham pisado daquele jeito.
Pensara em procurar a amiga, Larissa devia ter alguma coisa a dizer a ela, mas pensou melhor e resolveu esperar. Fez bem – Larissa ligou numa daquelas manhãs e combinaram almoçar juntas. Tinha certa esperança nesse encontro e lhe deu alguma alegria vê-la chegando. Logo no início a conversa girou sobre um nada-de-novo que fez sumir qualquer veleidade de mudança de cara da história toda. Larissa sorria como sempre, abraçou-a com o mesmo calor e beijou suas bochechas sem que ela percebesse qualquer falsidade ou cautela. Mostrou uma blusa que acabara de comprar, falou das crianças – um casal de poncinhos – e perguntou pela vida dela como se tivesse chegado de Cancún ou de Paris. – Então você não sabe? – Líria perguntou e logo se arrependeu, mas em seguida achou que era isso mesmo, tinha que se abrir com a amiga como sempre, porque ser casada com aquele estrupício não a tornava outra pessoa até segunda ordem.
Larissa a encarou cheia de espanto. Como, divórcio? Vocês são um dos casais mais harmoniosos que eu conheço, não acredito que estão... – Pois pode acreditar, e Líria não segurou o choro dessa vez. Uma coisa ficou bem clara, no entanto: Larissa não sabia de nada, a besta do Pôncio não lhe contara. Isso queria dizer duas coisas: que além de mau caráter o cara era um dissimulado e que o casamento deles também não ia nada bem. Deu algumas explicações esfarrapadas à amiga, que a consolou como pode num momento daqueles. Depois lavou o rosto, despediu-se da outra, que a tocava com o cuidado com que se toca um velhinho que parece prestes a desmontar, e voltou ao trabalho.

Um comentário:

Tania regina Contreiras disse...

Uai, parece real e espanta!
Beijos,