sexta-feira

Uma história incompleta

O estilo não tem menos de 75 anos, pensava Pôncio, entre divertido e impaciente. Mas a história desse senhor tem bastante apelo. Vai certamente figurar entre as narrativas paralelas, aquelas que ilustram e tornam mais comoventes fatos dessa categoria. Agora, nesta primeira etapa, preciso de relatos concretos, diretos e vibrantes. Preciso sacudir e chocar as pessoas para que se liguem na reportagem e queiram saber como os fatos foram se sucedendo e por quê.
Suspirou fundo e forte, antes de se levantar para ir à janela. Tinha passado pelos arquivos da prefeitura, mas para sua surpresa não havia qualquer documento disponível da área de construção nem da Defesa Civil. Havia registros de acidentes geológicos, deslizamentos, acidentes geotécnicos, mas nem uma palavra escrita a respeito do maior desses acidentes, datando apenas de dez anos antes. Se o estádio tivesse passado a pertencer a outra esfera de governo, ele teria ficado sabendo, assim como todos os habitantes da cidade. Além das informações que começavam a chegar via correio eletrônico, achou que devia procurar pessoas ligadas às áreas afins – prefeitura, esportes, em especial futebol, além dos profissionais de espetáculos, músicos, produtores, patrocinadores. Um trabalho de Hércules, mas valeria a pena. Estava farto de rotinas, o mesmo do mesmo, a coluna, as reportagens sem muito destaque, programinhas de tevê com pouco ibope. Sua última performance de mais visibilidade já completara dois anos e meio, entrevistando um poeta romeno presente a um festival anual de literatura que atraía gente do mundo inteiro – um cara sombrio e pessimista que a todo instante o fazia lembrar do conde vampiro.
Havia outras mensagens na caixa do correio. Uma delas, em inglês, era ainda mais longa que a de Leônidas Placidino e estava assinada por um nome impronunciável, que parecia polonês ou alguma outra língua assim propensa ao consórcio de consoantes; outra vinha em parágrafos de palavras emaranhadas e sem uma pontuação plausível, que Pôncio em vão tentou deslindar. Uma terceira, mais curta e perfeitamente inteligível, não falava do desmoronamento do estádio, mas de outro assunto bem estranho: o ataque das abelhas africanas no México, quando morreram cerca de 200 pessoas, só nos seis primeiros anos depois da chegada das bichinhas ao país. No entanto, continuava a mensagem, assinada por Denise d’Allencourt, a incidência de sérios ataques fatais a animais domésticos é, geralmente, maior do que em pessoas. Dentro dos dois primeiros anos da chegada destas abelhas ao Texas, elas causaram morte a 11 cães, mas somente uma morte humana. E eu com isso, pensou Pôncio, sentindo-se cansado demais para continuar.

Nenhum comentário: