Todo mundo tem sua zona de sombra no intelecto. Isso é normal, não significa absolutamente um QI precário; apenas lá uma hora ou outra alguma conexão vacila, um neurônio rateia, e sai um produto com defeito – um riso fora de hora, uma pergunta cretina ou uma frase mal formulada. O caso de Nicinha, no entanto, era mais específico, por assim dizer. A zona de sombra de Nicinha era um ombrelone tamanho gigante.
Quem já conhecia a moça se limitava a cumprimentos de praxe e um mínimo de palavras necessário ao bom andamento dos trabalhos, porque qualquer narrativa bobinha de um acontecimento do dia-a-dia era pretexto pra Nicinha entrar em detalhes que não vinham ao caso, tipo como era a camisa do sujeito em questão, que idade aparentava, se estava sozinho ou acompanhado. E, não satisfeita de aguar a história, ainda fazia aquela cara compassiva de quem diz “você não sabe explicar nada, estou tentando melhorar sua performance”. O interlocutor acabava desistindo, saindo de perto dela puto da vida e ainda por cima se sentindo culpado de ter destratado a colega. Piada então, nem pensar: Nicinha dissecava e escalpelava o caso até reduzir o humor do outro a subnitrato.
No dia em que o Carlito começou a trabalhar na empresa, veio se apresentar aos colegas mais próximos de sua baia, Leandro, Rubem e Nicinha. Todo comunicativo e sorridente, puxou logo assunto com ela. Os outros se entreolharam com um ar meio canalha e ficaram esperando o diálogo. “As vagas aqui no estacionamento não são marcadas, né?” – perguntou, e ela, espantada: “Ah, que pena, então você é daltônico? E como é que tirou carteira de motorista?” Carlito não entendeu nada. “Daltônico, eu? Não, não sou não.” Nicinha apertou os olhos como quem mata uma charada. “Ué, então como é que não viu as faixas amarelas no chão da garagem?” Os outros viraram o rosto e voltaram a suas mesas segurando o riso. O Carlito disse duas ou três palavras meio sem sentido e saiu pra beber água. Lá fora, o Rubem quis saber o que tinha achado da moça, já preparado pra comentar suas ratas e rir um pouco. Mas para sua surpresa, o Carlito disse apenas, “cara, que mulher charmosa, que tetéia. Ela tem namorado?”
Em matéria de água, em vez de ritos mágicos ou poemas grandiosos, tudo que podemos fazer por nós, terráqueos, é poupar, reciclar, achar meios de reduzir gastos. É prosaico, pode ser chato e tira um pouco de nosso conforto, concordo. Mas é em favor da vida. E não só em março, mês dedicado ao elemento água. Março serve pra lembrar, fazer refletir sobre o assunto. O que resolve mesmo é poupar sempre, gastar menos e defender, na medida do possível, os interesses vitais das gerações que vem por aí. É possível e vale a pena.
Em tempo
No Cronópios, um belo artigo de Marcílio Medeiros sobre Arthur Bispo do Rosário, neste ano do centenário de nascimento do artista. Siga o link, vale a pena.
16 comentários:
Oi Adelaide.
Eu já disse, mas repito: deliciosos estes petiscos literários em forma de histórias curtas que serves à hora do café (são 17h25 e estou tomando café com leite). Como tenho imaginação fértil, construo um futuro para Nicinha e Carlito: ela abandonou o emprego por ocasião do casamento; tiveram um casal de filhos (Bruno e Carla); adquiriram uma casinha simpática no subúrbio, onde ela tornou fez amizade e se tornou a figura mais popular da vizinhança; nos fins de semana ele faz churrasco e depois dorme no sofá, esperando a hora do jogo na tevê. Com altos e baixos, são felizes até hoje. Cândido, né?
Um beijo.
Dade,
Adoro suas histórias! Nicinha é apenas mais uma das possíveis histórias de amor incompreensíveis que dão certo...
Pensando bem, se o amor for muito compreensível, provavelmente pode ser chato também.
Um pouco de "loucura e humor" é sempre interessante nos realcionamentos, mesmo que somente "enquanto dura o amor".
Beijos,
Carol
Taí a prova de que a mulher pra agrdar o homem não precisa ter neurônios, basta ter ancas, e a Nicnha devia tê-las bem proeminentes. Meu beijo.
Jens, ao que tudo indica, sua lógica é perfeita ;) Beijo!
Pois é, Ery. O dia-a-dia dá panos pra mangas, não é mesmo? Beijo pra você.
Carol, concordo com você: o amor entre iguais acaba ficando aguado. As diferenças alimentam esse estranho sentimento :)) Beijocas.
Jota, não conheço a Nicinha, a não ser no genérico, por isso não sei como são as ancas da moça. Mas o Carlito sabe. Beijo.
Compreender o Amor não tem graça, gostoso mesmo é amar sem saber como, nem quando, nem onde!
bjssss
Taí. Dizem que cada caldeirão tem sua tampa né?
Acho que o Carlito encontrou a dele então.
Muito boa.
Beijos meu bem.
É mesmo, Vanessa!
Beijo pra você.
Aninha, grande verdade!
Beijão.
Dade, meus neurônios estão quase entrando em greve...rs - Mas vamos em frente, reciclando a mente e o ambiente! Beijos!
Eles aguentam, Nanda, não se preocupe. Pense no que está ganhando, e eles voltam a sorrir ;)
Beijos
Oi, Adelaide,
Esse texto é delicioso porque é rapidinho ou rapidinho porque é delicioso? Eis a questão.
Dei esperança de amor à minha Nicinha aquí do escritório, depois dessa...
beijo, querida.
Faça isso, Cris. Ela merece :)
Beijo pra você.
Ré, ré, ré...
Delícia de conto. É o tal negócio: quando menos se espera eis que o inesperado faz uma surpresa. Sabe que eu conheci um cara assim que nem a Nicinha?
Daqui a pouco a galera vai entender que a falta de água vai atingir TODO mundo. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
Pois é, Marco. Todo mundo conhece um(a) ou mais Nicinhas(os) nesta vida. Beijão e ótima semana pra você.
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