quinta-feira

Ainda a poesia

José Carlos Brandão é o autor dos bons poemas postados no blog Poesia Crônica. 
Dele também é a crônica a seguir:

A maior tragédia do poeta
José Carlos Brandão



Disse Jean Cocteau que "para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o entendem." Revi essa frase esses dias e comecei a refletir se meus últimos poemas (os que tenho mostrado, há outros que elaboro e reelaboro infinitamente e secretamente) são fruto dessa reflexão. A busca da simplicidade para não ser admirado, se o for, porque não me entendem. Comecei a escrever poemas complexos demais, para leitores iniciados. Considerava que a simplicidade era dificílima e só poderia ser atingida com muita experiência. Seria fruto da maturidade.
Mas me lembrei de que O Córrego tem uns doze ou quinze anos, Ele Era Nosso Pai tem mais de 15, Poente tem uns 20... Não foi agora que atingi essa maturidade, se é que consegui a façanha de ser entendido. Porque a questão não é tão simples. Um grande amigo reclamou: “Você escreve difícil, Zé.” Acontece que esse amigo não é leitor de poesia, aliás, não é leitor de coisa nenhuma. Penso que está respondida a questão: quem não é leitor de poesia, por mais que tenha boa vontade, por maior que seja a amizade, não entenderá o poema mais simples. E muitos, além de não serem leitores de poesia, não são leitores de nada – a esses é impossível esperar-se o milagre de entenderem um poema.
Por falar em entender um poema, tenho insistido nesse ponto há muitos anos: um poema não é para ser entendido. Mas fruído, degustado aos poucos, saboreado com prazer – aquele prazer que leva ao êxtase estético. Não é preciso se analisar a obra para se saber o que o autor quis dizer, não é preciso explicar pari passu as suas intenções aparentes e ocultas. Um poema não é uma obra de autoajuda para transmitir uma ideia banal ou profunda que possa ser lida como uma filosofia de vida. O poeta não transmite ideias, mas imagens. O poema não tem nenhum compromisso com a verdade, mas apenas com a beleza. Se é que tem algum objetivo, será o de encantar, extasiar.
As imagens do poema, inevitavelmente, farão bem ao leitor. Se gostou, se se emocionou, se sentiu que a realidade é bela, e a beleza é sempre um bem, e se sentiu que a realidade é mais do que a realidade, ou se apenas sentiu a realidade, o poema lhe fez bem. Mas, repito, não é preciso explicar essas imagens. Não sejamos tão magistrais. Afinal, repetindo-me ainda, explicar uma piada tira toda a graça da piada – quem precisa de explicação ri sempre sem graça, fica com cara de bobo.
Se é diminuir muito a poesia compará-la à piada, comparo-a então à mágica. A poesia tem o sortilégio da mágica. E sabemos que um mágico não ensina como realiza seus truques, seria tirar-lhes todo o encanto.
Desmontar o relógio ou a caixinha de música para saber como funciona tira-lhes toda a graça. A criança quebra o brinquedo para ver o que tem dentro e depois chora, não só porque está quebrado, mas porque sempre era melhor não saber.
Não prego a ignorância (ainda mais que já dei a entender que sou contra toda pregação). É preciso desenvolver no leitor o gosto estético. É preciso que o leitor tenha, antes, a capacidade linguística. João Cabral fez séries de poemas sobre o ovo, o relógio ou a cabra, matérias não-poéticas – estava ensinando-nos que poesia é antes de tudo uma questão de linguagem.
O poeta precisa dominar a linguagem para escrever (até para escrever errado). E o leitor precisa dominar a linguagem, não para entender um poema, mas para senti-lo. Sentir já é uma forma de entender.
Quando se fala em sentir, pensemos em sensações. O poema é uma forma, que posso manusear, ver, ouvir, cheirar, saborear. O poema é um objeto que deve tocar aos meus cinco sentidos, talvez a um sexto, a um sétimo... Estaríamos falando da imaginação, da perplexidade metafísica... Mas não é preciso complicar. Fiquemos nos cinco sentidos, que, pelo menos teoricamente, são bem fáceis de entender. Fiquemos no prazer de sentir as imagens do poema, é muito, pode ser tudo.
(Como no poema de Manoel de Barros: “Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. / Eu não preciso de fazer razão.")

12 comentários:

José Carlos Brandão disse...

A Maior Tragédia do Poeta - oras, que título trágico! Mas também é simplificar demais dizer que a poesia é apenas uma questão de linguagem.
Muito obrigado, Dade, pela divulgação.
Um grande abraço.

dade amorim disse...

O Umbigo é que agradece publicar um texto seu, viu?
Abraço.

Anônimo disse...

viu o suplemento prosa e verso? tem poesia, editado pelo ca.
muito boa a crônica do poeta, valeu mesmo.

bjs
AnaG

dade amorim disse...

Vi sim, Ana, e adorei.
A crônica é ótima, por isso postei aqui :D

Beijo pra você.

Cris disse...

Oi, Dade querida,

É mesmo um "porre" aquele que tenta explicar a poesia.Um texto esclarecedor, certeiro.A gente vai lendo e pensando: é isso! é isso mesmo!
Poema é para sentir ( a melhor forma de entender).

Beijão.

dade amorim disse...

Leio você pensando: ela é poeta e não sabe :)

Beijo beijo

Jens disse...

Oi Adelaide.
Não sou um leitor de poesias, mas não cheguei, ainda (estou percorrendo a trilha), ao extremo de não ser leitor de coisa nenhuma. Nos anos de deliquência juvenil, escolhi meu poeta de estimação: CDA. É a ele que recorro para saciar eventuais necessidades poéticas existenciais e estéticas. Até agora, tem me bastado. É claro que existem inúmeros outros bons poetas que merecem igual ou talvez mais consideração. Mas em uma vida que já foi de urgências literárias (sempre havia algo novo para ler) e hoje é de premências (tá correto o termo?) de outra natureza (como escrever para garantir os petiscos e dos drinques de cada dia) é mais cômodo manter a fidelidade a amores antigos. A idade madura finalmente chegou.

Beijo pra você.

dade amorim disse...

Mas você está muitíssimo bem acompanhado com CDA, é poesia da melhor qualidade. Nem sempre quantidade garante a qualidade.

Beijo pra você.

Eliana Mora [El] disse...

Saber que tens gosto não precisava,
mas...hoje (re)vi...


parabéns aos dois

beijo da El

Márcia Maia disse...

E eu concordo em gênero, número e grau. Gostei demais.
Beijo, Dade.

dade amorim disse...

Fico bem contente de ver você aqui, Eliana Poeta.
Beijo grande.

dade amorim disse...

Sim, Márcia, ele sabe das coisas...

Um beijo estalado.