Disse Jean
Cocteau que "para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o
entendem." Revi essa frase esses dias e comecei a refletir se meus últimos
poemas (os que tenho mostrado, há outros que elaboro e reelaboro infinitamente
e secretamente) são fruto dessa reflexão. A busca da simplicidade para não ser
admirado, se o for, porque não me entendem. Comecei a escrever poemas complexos
demais, para leitores iniciados. Considerava que a simplicidade era dificílima
e só poderia ser atingida com muita experiência. Seria fruto da maturidade.
Mas me
lembrei de que O Córrego tem uns doze ou quinze anos, Ele Era Nosso Pai tem
mais de 15, Poente tem uns 20... Não foi agora que atingi essa maturidade, se é
que consegui a façanha de ser entendido. Porque a questão não é tão simples. Um
grande amigo reclamou: “Você escreve difícil, Zé.” Acontece que esse amigo não
é leitor de poesia, aliás, não é leitor de coisa nenhuma. Penso que está
respondida a questão: quem não é leitor de poesia, por mais que tenha boa
vontade, por maior que seja a amizade, não entenderá o poema mais simples. E
muitos, além de não serem leitores de poesia, não são leitores de nada – a
esses é impossível esperar-se o milagre de entenderem um poema.
Por falar
em entender um poema, tenho insistido nesse ponto há muitos anos: um poema não
é para ser entendido. Mas fruído, degustado aos poucos, saboreado com prazer –
aquele prazer que leva ao êxtase estético. Não é preciso se analisar a obra
para se saber o que o autor quis dizer, não é preciso explicar pari passu as
suas intenções aparentes e ocultas. Um poema não é uma obra de autoajuda para
transmitir uma ideia banal ou profunda que possa ser lida como uma filosofia de
vida. O poeta não transmite ideias, mas imagens. O poema não tem nenhum
compromisso com a verdade, mas apenas com a beleza. Se é que tem algum
objetivo, será o de encantar, extasiar.
As imagens
do poema, inevitavelmente, farão bem ao leitor. Se gostou, se se emocionou, se
sentiu que a realidade é bela, e a beleza é sempre um bem, e se sentiu que a
realidade é mais do que a realidade, ou se apenas sentiu a realidade, o poema
lhe fez bem. Mas, repito, não é preciso explicar essas imagens. Não sejamos tão
magistrais. Afinal, repetindo-me ainda, explicar uma piada tira toda a graça da
piada – quem precisa de explicação ri sempre sem graça, fica com cara de bobo.
Se é
diminuir muito a poesia compará-la à piada, comparo-a então à mágica. A poesia
tem o sortilégio da mágica. E sabemos que um mágico não ensina como realiza
seus truques, seria tirar-lhes todo o encanto.
Desmontar
o relógio ou a caixinha de música para saber como funciona tira-lhes toda a
graça. A criança quebra o brinquedo para ver o que tem dentro e depois chora,
não só porque está quebrado, mas porque sempre era melhor não saber.
Não prego
a ignorância (ainda mais que já dei a entender que sou contra toda pregação). É
preciso desenvolver no leitor o gosto estético. É preciso que o leitor tenha,
antes, a capacidade linguística. João Cabral fez séries de poemas sobre o ovo,
o relógio ou a cabra, matérias não-poéticas – estava ensinando-nos que poesia é
antes de tudo uma questão de linguagem.
O poeta
precisa dominar a linguagem para escrever (até para escrever errado). E o
leitor precisa dominar a linguagem, não para entender um poema, mas para
senti-lo. Sentir já é uma forma de entender.
Quando se
fala em sentir, pensemos em sensações. O poema é uma forma, que posso manusear,
ver, ouvir, cheirar, saborear. O poema é um objeto que deve tocar aos meus
cinco sentidos, talvez a um sexto, a um sétimo... Estaríamos falando da
imaginação, da perplexidade metafísica... Mas não é preciso complicar. Fiquemos
nos cinco sentidos, que, pelo menos teoricamente, são bem fáceis de entender.
Fiquemos no prazer de sentir as imagens do poema, é muito, pode ser tudo.
(Como no poema de Manoel de Barros: “Olha, mãe, eu só
queria inventar uma poesia. / Eu não preciso de fazer razão.")
12 comentários:
A Maior Tragédia do Poeta - oras, que título trágico! Mas também é simplificar demais dizer que a poesia é apenas uma questão de linguagem.
Muito obrigado, Dade, pela divulgação.
Um grande abraço.
O Umbigo é que agradece publicar um texto seu, viu?
Abraço.
viu o suplemento prosa e verso? tem poesia, editado pelo ca.
muito boa a crônica do poeta, valeu mesmo.
bjs
AnaG
Vi sim, Ana, e adorei.
A crônica é ótima, por isso postei aqui :D
Beijo pra você.
Oi, Dade querida,
É mesmo um "porre" aquele que tenta explicar a poesia.Um texto esclarecedor, certeiro.A gente vai lendo e pensando: é isso! é isso mesmo!
Poema é para sentir ( a melhor forma de entender).
Beijão.
Leio você pensando: ela é poeta e não sabe :)
Beijo beijo
Oi Adelaide.
Não sou um leitor de poesias, mas não cheguei, ainda (estou percorrendo a trilha), ao extremo de não ser leitor de coisa nenhuma. Nos anos de deliquência juvenil, escolhi meu poeta de estimação: CDA. É a ele que recorro para saciar eventuais necessidades poéticas existenciais e estéticas. Até agora, tem me bastado. É claro que existem inúmeros outros bons poetas que merecem igual ou talvez mais consideração. Mas em uma vida que já foi de urgências literárias (sempre havia algo novo para ler) e hoje é de premências (tá correto o termo?) de outra natureza (como escrever para garantir os petiscos e dos drinques de cada dia) é mais cômodo manter a fidelidade a amores antigos. A idade madura finalmente chegou.
Beijo pra você.
Mas você está muitíssimo bem acompanhado com CDA, é poesia da melhor qualidade. Nem sempre quantidade garante a qualidade.
Beijo pra você.
Saber que tens gosto não precisava,
mas...hoje (re)vi...
parabéns aos dois
beijo da El
E eu concordo em gênero, número e grau. Gostei demais.
Beijo, Dade.
Fico bem contente de ver você aqui, Eliana Poeta.
Beijo grande.
Sim, Márcia, ele sabe das coisas...
Um beijo estalado.
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