sexta-feira

Stevens




Bem conhecido, Wallace Stevens (EUA1879-1955) compôs uns poemas que me atraem particularmente.
É como se ele falasse de realidades muito familiares, desse "Sentido simples das coisas" que mexe com minha cabeça. Nada muito diferente nem exótico, mas o possível, provável, ao alcance da experiência. 
Nem sei explicar bem por quê, mas aquilo que se conhece intimamente, como esse tipo de decadência das coisas, "o fim da imaginação" "depois das folhas terem caído" – como aconteceu em nosso último outono de céus iluminados – me mobiliza de um jeito irresistível, como se a recuperação dessas coisas dependesse de alguma ação a meu alcance. Deve ser vício de dona de casa, coisa assim bem terra-a-terra, uma certa mediocridade militante, não sei bem. Só sei que certos poemas de Stevens derretem alguma coisa dentro de mim, e esse aí abaixo é exemplar.

O sentido simples das coisas




Depois das folhas terem caído, regressamos
A um sentido simples das coisas. É como se
Tivéssemos chegado ao fim da imaginação,
Inanimados num inerte savoir.

É difícil até escolher o adjetivo
Para este frio vazio, esta tristeza sem causa.
A grandiosa estrutura tornou-se numa casa menor.
Nenhum turbante caminha através dos soalhos degradados.

A estufa nunca precisou tanto de tinta.
A chaminé tem cinquenta anos e está inclinada para um lado.
Falhou um esforço fantástico, uma repetição
Numa repetitividade de homens e moscas.

Contudo a ausência da imaginação tinha
Ela própria de ser imaginada. O lago grandioso,
O seu sentido simples, sem reflexos, folhas,
Lama, água como vidro sujo, expressando silêncio

De certo tipo, silêncio de um rato saindo para ver,
O lago grandioso e a sua imensidade de nenúfares, tudo isto
Tinha de ser imaginado como um conhecimento inevitável,
Exigido, como uma necessidade exige.

(de Ficção Suprema, tradução e prefácio de Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos, Assírio & Alvim, 1991.)


7 comentários:

JasonJr. disse...

Uma salva de palmas!!!

dade amorim disse...

Ele merece, Jason.
Abraço.

mfc disse...

Retive uma expressão fabulosa... "a ausência da imaginação tinha
Ela própria de ser imaginada".
É genial!

Halem Souza disse...

Curioso: eu não conheço nada de Wallace Stevens. Inclui uma citação dele no meu blog porque a encontrei num livro do Eduardo Giannetti. Mas gostei muito do poema.

dade amorim disse...

Gosto muitíssimo do estilo de Stevens, amigo mfc.
Que bom que gostou também.

Abraço grande.

dade amorim disse...

Stevens vale a pena, Halem, se você ler outros poemas, provavelmente vai gostar também.
Tentei comentar em seu blog mas não achei os comentários, é isso mesmo?
Abraço saudoso.

Halem Souza disse...

É, Dade, não há mais essa seção no Sinistras. Se você quiser comentar e debater o que lá foi escrito, deve valer-se de um e-mail (blogdohalem@gmail.com). Um abraço.