Amanhã começa outra vida. Uma vida
que rói as vísceras, uma ansiedade florindo em redoma. A noite veloz só
anuncia: coisas novas chegam amanhã. Como será te deixar para trás? Como será
deixar de doer assim calada e passar a doer em liberdade rasgada? Será que
brota desejo em terra mais fértil? A vida se adianta como miragem e renasce
sempre mais adiante. Talvez descubra que chegou o fim e não haja mais nada a
desejar, e poderei enfim viver de minha própria carne.
Mil vezes já passou esta noite. Mil
vezes ela foi ensaiada em desespero e paciência e agora irrompe diante de mim e
me deixa calada de saciedade. Um pouco de temor do desconhecido, é verdade. Uma
felicidade corrosiva e difícil. Como será recomeçar do que nem se conheceu?
Minha vida é uma trama oriental de muitos tapetes, e você me ajudou a tecer agonias
como grandes estofados bizantinos num palazzo veneziano alagado de medo.
Não me apresento bobamente para tua
aprovação, não fujo como em outro tempo e também não suspiro mais por você. Não
te consulto – eis a grande novidade. Estou em outra dimensão da vida, uma
dimensão que você não conhece e não está autorizado a freqüentar. Agora preparo
mosaicos em imensos painéis que podem se animar a qualquer momento e preencher
o céu com desenhos sem utilidade prática. Posso me dar ao luxo.
A glória que você podia me oferecer é
uma grande morte com que não conto. Vou voar em outra direção, talvez na
direção do capim que se alonga, e minha imagem vai renascer disso. Ainda não
conheço todas as imagens de meus painéis. O resto se abre como o céu e você não
está nele.
Estradas esquecidas que o carro
desperta, estados sonolentos que passam velozes, tempo quase ausente. Quero ter
tempo para experimentar. Pressentimentos como flores invisíveis em copas muito
altas. Como você é fútil. Pensa que sabe tudo. Pensa que já decidiu o destino
do mundo e não tem sequer os diagnósticos, porque o espaço é pouco para o mundo
e você.
Alguém vigia e avisa: há vida lá fora. Um golpe traiçoeiro derrubou o dono da noite. Amanhã é outro dia. “Tá com enxaqueca outra vez?” Meu riso explode, escapa escandaloso. Pequeno gesto de reprovação: “que boba”, você diz. “Que é que você tem na cabeça?”
Alguém vigia e avisa: há vida lá fora. Um golpe traiçoeiro derrubou o dono da noite. Amanhã é outro dia. “Tá com enxaqueca outra vez?” Meu riso explode, escapa escandaloso. Pequeno gesto de reprovação: “que boba”, você diz. “Que é que você tem na cabeça?”
10 comentários:
Uau, que texto! Quanta revolta! O copo transbordou e o outro nem se deu de conta.
Dade, estou torcendo pra que você se recupere completamente, o mais rápido possível. E vamos blogando menos, mas mantendo o contato. beijos.
Pra você ver, Chorik - é aí que a coisa pega, quando o outro nem se dá conta.
Beijo pra você.
Obrigada, Nanda querida.
Conto com essa torcida para chegar mais rápido.
Beijo beijo!
Dade,
lindo tudo aqui...sim, há vida lá fora.
Dade, isso é o que se pode chamar ponto de desgaste máximo...
É também mais um belo texto que você nos dá de presente.
Beijos
Kelly
gostei da história! quero mais
=D
lu
Ana, sempre que você aparece nos comentários, fico pensando no tempo que a gente passa sem conversar ao vivo, parece incrível.
Em todo caso, melhor assim :)
Beijocas.
Oi, Lu! Tenho recebido umas histórias também :))
Beijo.
Adriana, o mais importante de tudo é não se negar a viver a própria vida.
Um beijo e carinho.
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