sábado

Doce ultimato

— E então? – perguntou Luana, assim que ele chegou.
Lopes olhou para ela como quem tem muita coisa a dizer, mas não disse nada. Chamou-a para irem à cafeteria de costume, na torre do shopping, ela ansiosa, ele um pouco misterioso. Mas logo que sentaram para conversar ele sorriu.
— Está tudo bem, garantiu. Ele entendeu.
— Entendeu? Como assim? O que foi que ele disse?
— Que sim, que entendia, que essas coisas podem acontecer...
— Logo que você falou? O que foi que você disse a ele?
Lopes franziu a testa e acendeu um cigarro.
— Eu só expus a situação, o que estava acontecendo entre nós. A princípio ele ficou calado, sério, e eu pensei que fosse reagir mal. Mas uns minutos depois começou a fazer perguntas.
— Perguntas? Que perguntas?
— Ah, bobagens, banalidades... Eu até estranhei a reação dele, mas depois percebi que estava ganhando tempo para se controlar.
Luana desviou os olhos para um ponto indeterminado. Parecia meio decepcionada e ele notou.
— Pensei, disse ela lentamente, que fosse ficar bravo, enlouquecido, furioso. Ele é mesmo imprevisível. Estamos casados há onze anos. Sempre pensei que fosse louco por mim...
— Estão casados?
— É, quer dizer, ainda não nos divorciamos, você sabe.
Lopes apagou o cigarro com uma ruga na testa.
— Se você quer muito saber, acho que ele ainda é mesmo louco por você. Ficou falando abobrinhas enquanto eu esperava uma resposta mais clara, uma solução para o impasse...
— Impasse? Você chama nosso caso de impasse?
Ele sorriu de leve e teve vontade de beijá-la ali mesmo, mas se conteve.
— Não, bobinha, não estou falando do nosso caso, estou falando da situação. Ele demorou a se definir, acho que não queria bancar o troglodita. Ou então segurou a onda pra não parecer um fraco, manter uma atitude digna. Houve um momento em que pensei que ia desmontar, ficou de cabeça baixa...
— O Luan? – Ela perguntou com um leve sorriso.
— O Luan. Ficou parado olhando para o chão como quem procura uma saída. Mas depois voltou a me encarar e começou a falar da vida de vocês, de como andavam distantes ultimamente.
— Culpa dele, que está sempre viajando para o pai, tratando de negócios em outros países. Deus sabe quantas vezes desejei um homem perto de mim...
— Agora você tem um em tempo integral.
Ela ignorou a dica.
— Mas foi só isso que ele disse?
— Quase só isso.
— Eu devia ir ao encontro dele, você não acha?

Outro silêncio embaraçoso.— Se você acha que deve, vá – Lopes respondeu de cara fechada.
— Tenho que voltar lá para pegar minhas coisas, tomar minhas providências.
— Claro. Quer ajuda?
— Pode parecer afrontoso voltar lá com você para fazer a mudança. Não quero que ele fique ofendido, magoado. Chega a separação, que ele nunca esperou. É, tenho que conversar com ele, afinal ainda é meu marido.
— Ainda? Me diga uma coisa, você está arrependida?
Durante uns segundos, houve um silêncio cheio de ambiguidade. Depois ela olhou nos olhos dele e fez um afago em sua mão.
— Você é o homem mais inteligente e mais sensível que já encontrei em minha vida.
E levantando-se acrescentou: — Te ligo mais tarde.
Lopes pagou a conta e foi ao cinema. Precisava muito de um happy end.

9 comentários:

Anônimo disse...

Maravilha. Imagino Luan, enquanto Lopes come pipoca, balançando, enforcado, sob o olhar incrédulo de Luana.

Cris disse...

Luana queria ver uma disputa com sangue por ela, queria se sentir amada...pelos dois.Falta ainda crescer.

Beijo, queridona

dade amorim disse...

Adoro seus comentários, Chorik. Fazem o texto crescer em virtualidades. Bom leitor, você.

Beijo.

dade amorim disse...

Outro viés da história, Cris. Meus leitores são poucos mas muito bons, e isso é uma alegria sem tamanho.

Beijo beijo.

Anônimo disse...

Um texto delicioso, como sempre.

Beijos de
Enylton e Célia

Nanda disse...

Dade, é um 'bis' ou eu que estou sonhando? Bis ou não, sempre impactante o que escreve. Beijos.

dade amorim disse...

Brigadinha, Nanda.

Beijo

Janaina Amado disse...

Gostei deste texto, Dade, como do anterior - gosto quando você enfia seu olhar nesse cotidiano nervoso, desnudando-o. Quero mais!

dade amorim disse...

Sempre muito estimulante, receber um comentário seu, Janaína.

Beijo carinhoso.