domingo

Lucubraçoes póstumas do marechal

Hoje, dia de comemorar a proclamação da república (assim com letra minúscula mesmo), dou voz ao marechal Deodoro da Fonseca, dono da festa.


Vocês não conheceram o Exército daquele tempo. Era bravo, íntegro, valoroso. Impetuoso, digno, abnegado. Merecia todo reconhecimento, toda honra, toda atenção. Era injusto que o postergassem, que o ignorassem ou não lhe atribuíssem o devido valor.

Primeiro foram aqueles quatro anos às voltas com os problemas criados por alguma inabilidade da Regência, mas acima de tudo pelo temperamento rebelde daquela gente – tinhosa, como eles mesmos se chamavam, – avessa a cabresto, indisciplinada por natureza. Tinha eu vinte e um anos, acreditava – como ainda acredito – na importância da ordem, do pulso firme. Disciplina é chave na vida militar, essa disciplina de máquina bem azeitada, de canhão que tem que estar pronto pra disparar na hora exata.

O povo não pensa nisso. Quer conseguir, não só o que ainda não tem, mas o que acha que vai perder. O povo se sente sempre ameaçado, tem medo que as coisas fiquem mais difíceis do que estão.

Ainda vejo a rua da Praia a ferver. Recife nunca mais seria a mesma cidade pacífica depois daquilo. O Antônio Pedro de O Progresso ajudou a inflamar os ânimos e, embora eu não pretenda condená-lo por seus artigos incendiários, ainda me parece que foi leviano o modo como conduziu seu jornal, que acabou se queimando no próprio fogo.

Os pobres sempre precisam de coisas de que ninguém se lembra, só eles. A coisa vinha de longe, da Europa, e uma das pontas veio estourar aqui. Lá eram os donos de terra, a riqueza nas mãos de poucos. Aqui era isso e mais a questão dos escravos. Convenhamos, panos para mangas. Juntaram-se os que não tinham nada com os que não tinham coisa nenhuma, uma aliança perigosa, já que os torna muito mais numerosos e reúne cobiça e muita raiva acumulada. Qualquer gotinha faz transbordar, e quando isso acontece em geral é uma inundação. De todo modo, era uma demonstração de estultícia daquela gente acreditar que eu poderia querer a restauração da monarquia.

Mas as questões da política são assim, surpreendentes e cheias de incoerências. Muitas cabeças, opiniões demais, sempre se acaba num rumo de irracionalidade. O importante é que o dignitário do momento mantenha a cabeça fria, e que vise mais o bem da pátria do que a manutenção do poder nas próprias mãos.

O que aconteceu no Paraguai foi maior; durou seis anos e liquidou mais de três dezenas de milhares de soldados. Exército e Marinha em ação, coisa de importância. Rendeu-me a capitania, mas derramou muito sangue. No Paraguai então morreu gente a dar com o pé, pelas armas e pelas doenças que se espalharam. O país também nunca mais iria sarar. Contraiu uma anemia crônica depois dessa guerra, e hoje vejo o estrago que causamos lá. Ainda bem que a culpa não foi nossa, mas do Solano.

Fico daqui do último andar desse prédio, antigo QG, onde depois construíram o ministério da Guerra quando o Rio de Janeiro era a Capital – bons tempos! –, vendo o movimento, e fico meio tonto. Parece um formigueiro. Em frente, o campo de Sant’Ana, o sobrado de esquina onde eu morava, os prédios vizinhos, tudo ainda muito familiar, apesar dos anos. Era uma casa bem típica, salas na frente, chão de tábuas corridas, os quartos enfileirados. Ainda vejo o grupo de sofá e poltronas de palhinha em volta da mesinha oval, de pernas altas torneadas, na sala de visitas, a mesa comprida de jantar, o lustre de cristal, o teto de madeira trabalhada. Está um pouco estragado agora. Tombamento só serve para o que se vê por fora, é o diabo.

Aqui por trás desses prédios começou a primeira favela, assim que libertaram os pretos. Subiram o morro, arrumaram casebres para se abrigarem de sol e chuva.
Dizem que o imperador exclamou “estão todos malucos!”, quando ouviu a notícia no dia 16. Homessa. Essa gente da nobreza não consegue identificar o que se passa com os pobres.


Maravilhosa, essa garota ucraniana



Kseniya Simonova é uma garota ucraniana, que acaba de ganhar o concurso Talentos da Ucrânia.

Ela utiliza uma grande caixa iluminada, música dramática, a imaginação e sua habilidade de 'pintar' com areia para interpretar a invasão e ocupação do seu país de 1941-45.

Ela conta uma história completa apenas movimentando a areia na mesa, usando somente as mãos para criar estas imagens.

8 comentários:

Beti Timm disse...

Dade,

maravilhosa essa garota ucraniana. O dom é algo inexplicável. Qdo vejo esses talentos me sinto pequena diante de uma arte tão magnífica!



Beijinhos

Nanda disse...

Dade, ontem eu estava tão ocupada, com o aniversário da minha mãe, que nem lembrei da nossa história! E, como eu sempre brinco, criatividade é tudo! Acho o máximo quando alguém consegue surpreender apenas com a imaginação. Beijos.

dade amorim disse...

Me alegro muito por você, Beti, e por sua presença por aqui.

Beijo grande.

dade amorim disse...

Nanda, o que a gente pode desejar aos amigos é que sejam muito felizes e tenham sempre muita alegria.

Beijo pra você e família.

Jens disse...

Oi Adelaide.
Diz o Marechal "A coisa vinha de longe, da Europa, e uma das pontas veio estourar aqui." Sei não, acho que ainda não estourou tudo o que tinha (tem) para estourar. Mas estamos quase lá.

Quanto à menina ucraniana: wonderful!

Beijo e boa semana pra você.

dade amorim disse...

Pois é, Jens - vivemos em suspense, entre bigodes, apagões e balas perdidas, e haja panos pra fechar negociatas por baixo dos ditos.

Beijo procê.

Anônimo disse...

Lindo blog, Dade.
Cheguei aqui através da Ana Gláucia, que te lê e admira muito. Agora vejo que tem toda razão.
Ganhou um fã e um leitor constante. Vale a pena também visitar suas outras "casas", com certeza.

Beijo do
Kléber

dade amorim disse...

Bem-vindo, Kléber!
Esteja à vontade, a casa é sua também.
Beijo.