Por conta da Tertúlia Virtual de junho
Será que todo mundo se sente “em casa” na própria casa?
Penso nas casas onde falta quase tudo, nessas casas de tábuas ou de taipa, no interior mais abandonado, onde se come e se dorme mal, sem qualquer conforto, onde a seca ou a enchente são motivos de pânico, porque os moradores sabem que podem perder o pouco que conseguiram. Onde o trabalho pesado e sem retorno, o frio ou o calor devastam os corpos. De onde às vezes é preciso migrar em busca de um clima onde se possa viver. Ou então nas casas de tijolos expostos das favelas de nossas cidades, sem esgoto, sem espaço, onde as ruas são muitas vezes escadarias de degraus desiguais e os ratos passeiam livremente. Onde se vive com medo do vizinho ou da polícia, que significam risco de perder alguém ou de perder a própria vida. Pontes e viadutos também podem servir de casas para famílias inteiras, que na certa não entendem “sentir-se em casa” do mesmo jeito que aqueles que moram entre paredes sólidas e contam com fechaduras de segurança e janelas herméticas para afastar o barulho e a sujeira das ruas.
Sei que “sentir-se em casa” evoca um número quase inesgotável de imagens bonitas, doces, românticas e cálidas. É estar no quarto, em repouso, diante do programa predileto da tevê ou vendo um bom filme, lendo um livro escolhido; é estar na casa do amigo querido, bem recebido, embalado por uma conversa alegre, descontraída, tomando um bom vinho; é estar nos braços de quem se ama, o coração livre, solto para expressar e receber amor. É reunir a família em torno da mesa, trocar as impressões do dia, dar boas notícias, ouvir a piada mais divertida da semana, curtir os filhos, os netos, estar satisfeito com o que realizou na vida. Esse é um tipo de alegria muito lícita, uma felicidade que todo ser humano mereceria viver. E no entanto, não é dada a muitos, talvez apenas a uma minoria. Em parte porque os bens materiais não garantem que alguém se sinta “em casa”, às vezes é o contrário: muito dinheiro pode ser motivo de ansiedade, medo e desconfiança, discórdia na família e traições entre os associados. E em parte, porque mesmo possuindo todo o necessário, há pessoas que simplesmente não conseguem relaxar, e nunca conseguem se sentir em casa. Nem mesmo... em casa.
No entanto, nem todos os desfavorecidos da fortuna são infelizes. Há pessoas extremamente pobres, que dão um duro desmedido e vivem como se diz “da mão para a boca”, mas têm alegria, conseguem agregar uma família, têm um círculo estável de amigos. Não parecem sentir-se aterrorizados pelo futuro incerto. São estimados no trabalho, riem com facilidade, interessam-se pelos outros, têm bom humor. Estão longe da segurança econômica ou do conforto físico. Mas constroem seu ambiente de modo acolhedor, inventam jeitos de driblar a carência, gostam do pouco que possuem e tiram o melhor proveito possível de todas as oportunidades. Eu diria que eles se sentem “em casa” no mundo.
Acho que é nisso que os seres humanos mais se aproximam, não importa se ricos, pobres ou remediados: sentir-se em casa no mundo. É isso que pode conferir algum carisma, que torna uma pessoa capaz de despertar sentimentos de amor, amizade ou simpatia. A boa notícia é que isso também se aprende. Para começar, aprender a relaxar fisicamente, para que o bem-estar possa vir à flor da pele. Feito isso, olhar as pessoas com vontade de compreendê-las, conversar, querer o melhor para si e para os outros.
Frequentemente, essa abertura para o que e quem está a nossa volta traz à tona um talento escondido, uma criatividade de que não se suspeitava. Quem disse que uma pessoa não pode mudar, não sabe nada sobre as pessoas. E quase sempre é preciso mudar, pouco ou muito, para chegar a sentir-se verdadeiramente "em casa".
26 comentários:
Boas observações...
Grande beijo e parabéns pela belíssima participação na Tertúlia deste mês!
Orgulho de Ser
Texto muito lúcido, Adelaide. Se sentir em casa nem sempre é bom. Esperoq ue todos tenham esse direito um dia...
Um cheiro.
=*
Adelaide, um belo puxão de orelhas! Sabe que nesta postagem, todos nós olhamos para os nossos umbigos e você não! Você olhou para o "Umbigo do sonho" e desejou para todos um lugar feliz e aconchegante! Beijus
Adelaide, me associo ao comentario da Luma! Parabéns!
Obrigado por ter participado!
Fico feliz quando posso participar da Tertúlia, Nade, e dessa vez o tema é muito rico. Beijo!
Pois é, Gisele, eu também espero que isso aconteça. Beijo pra você.
Luma, não foi essa a intenção. Foi simplesmente o que veio à minha cabeça, só isso. Beijo.
Imagina, Eduardo! Adoro participar da Tertúlia. Beijo pra você.
Dade,
Eu já me sinto em casa em muitos lugares e com este post, até mesmo no Cyber onde acesso, com um frio lá fora, me sinto me casa lendo seu post. Sim, sentir-se em casa, depende muito da companhia. Quando é boa, e quanto mais próxima, mais nos sentimos em casa!
Beijos,
Carol
Pois é, Carol. E é muito bom sentir-se em casa, não é?
Beijo e boas férias!
Oi Adelaide.
Para ser um escriba de talento não basta apenas escrever bem, é preciso também enxergar além do óbvio. É um objetivo perseguido com tenacidade por muitos, mas alcançado por poucos. Nesta crônica, você chegou lá esbanjando perícia, especialmente ao concluir que para se "sentir em casa", mais do que bens materiais, é preciso antes de tudo o indivíduo ser íntimo de si mesmo, descobrir o que faz acelerar o coração. Só depois de conhecer a nossa "casa" podemos abrir as portas para o mundo. O bom, como você frisou, é que o autoconhecimento não tem prazo para ser aprimorado. Sempre é tempo mudar o que precisa ser mudado.
Um beijo.
Obrigada, Jens! Você é muito generoso, viu?
Beijo!
Adelaide,
Na bíblia tem uma frase que diz: a boca fala do que o coração está cheio... E o seu está pleno de amor e boa vontade! O seu 'ego malhado' é responsável por esse texto, cheio de sentimentos, esvaziado de vaidades e bem longe do 'espelho de narciso'. Parabéns, pelos textos. Quando o tempo permitir voltarei para ler os demais
Dade,
sentir-se em casa é algo que vem de dentro de nós, de pequenas coisas que acalentamos, e que nos são preciosas. É como ser feliz, a felicidade só é plena, qdo vem do nosso interior, então assim a distribuimos para os que nos rodeiam, pq ser feliz junto é bem melhor que sózinho. E nossa casa é construida, tijolo sobre tijolo, com dores alegrias, mas esse é o alicerce seguro. Aqui é minha casa, onde tenho carinho e alegrias e onde me sinto feliz.
Beijos caseiros.
Ola vc não precisa add este comentario é que preciso de uma ajudinha......sou nova neste ramo de blog e achei o seu blog magnifico se vc puder entra no meu blog e me seguir será uma honra...
Obrigado e desculpe o incomodo
Sim, querida Adelaide, eu me sinto em casa aqui, no meu cafofo.
Cada cantinho, em cada móvel tem o meu toque. Foi decorado por mim, escolhi cada peça e me sinto muito confortável aqui. Suas reflexões são super-pertinentes.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
Muito generoso seu comentário, Juliêta. Obrigada e seja bem-vinda.
É isso, Beti: em casa é onde somos mais nós mesmos e nos alegramos por isso. Beijo, querida.
Oi, Marco! Também amo cada objeto e cada canto de minha casa e acho uma delícia viver dentro dela.
Beijo!
Julia, passei lá no Galilei e aprendi um monte de coisas. Beijo.
http://yasminmantsoni.blogspot.com/
Olá
virei sua seguidora quando puder
da uma passada no meu???
vlw
parabéns pelo blog
Adelaide, hoje resolvi colocar as visitas aos blogs queridos em dia e felizmente tive a bela oportunidade de ler esse seu post que eu considerei lindo. Você disse tudo sobre o que é se sentir em casa.
Beijoquitas saudosas
Olá, Yasmin! Então tá. Beijo.
Olá, flor das Yvonnes, que bom te ver.
Beijocas.
Dá gosto de ler quem escreve tão bem!
Parabéns!
Obrigada pela visita lá no meu blog..
Beijão
Obrigada, Renata, ainda volto lá.
Beijo pra você.
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