segunda-feira

Março celebra a poesia

Dia 14 é o Dia Nacional da Poesia. Dia de aniversário de Castro Alves. Dia 21, Dia Internacional da Poesia. E como diz o Veríssimo, “poesia numa hora dessas?”
 
Brincadeirinha. Poesia é para sempre. Com ou sem métrica, rimas de todos os tipos ou nenhuma. Às vezes, nem versos. Em casos muito particulares, o poeta nem consegue se expressar. Ou não sabe, mas vive de um jeito que mais cedo ou mais tarde o obriga a falar, e as palavras erigem um poema.

Não só a linguagem mudou. O modo de sentir o mundo e reagir aos estímulos se tornou mais tenso, mais áspero, porque é preciso ativar as defesas para não se ferir a toda hora. Nada no entanto impediu que continuassem surgindo poetas neste mundo difícil e cruel. Parece que enquanto existir gente na Terra, existirão poetas. Poetas que falam não só de amor e flor, mas da humana condição, da falta permanente de alguma coisa que amenize a inquietação e a angústia, das coisas que nos afetam, da própria circunstância do poema.

Específico da poesia é o sentimento súbito do que chega à pele, da percepção aguçada que se amplia, instigadora, e num certo momento irrompe e mobiliza alguém a expressá-la. Mas para isso é preciso que haja um silêncio interior, uma certa contemplação desse processo, condição para ouvir o “barulho” da poesia.

Poesia não é antídoto de nada, não é remédio, não relaxa. Ao contrário do que alguns imaginam, não significa serenidade por si mesma. Uma poesia da serenidade pressupõe que essa serenidade preexistisse ao poema. Poesia ignora rótulos e ideias preconcebidas. Como tudo nesta vida, tem suas formas próprias, que devem e precisam ser bem cuidadas para que o poema soe verdadeiro, mas que pouco valem se o que se diz for fraco, falso, artificial, pretensioso.

Os puristas que me perdoem, mas um poema tem que ser do mundo, dos outros, da morte, e sempre, sempre da precariedade humana que se recria em palavras. Isso vale também para poemas que falam de uma realidade interior, de sentimentos subjetivos, porque, já dizia Vinicius, “a vida só se dá pra quem se deu”. E acho que não está errado dizer que fazer poesia é um modo bem-sofrido de viver – e por bem-sofrido quero dizer de dor e alegria, do amor e seus avessos experimentados em profundidade.

O que desenha um poema são marcas, cicatrizes, efeitos concretos da realidade sobre quem o escreve e sobre quem o lê – embora por ao menos um momento precise existir “calma e frescura na superfície intacta” para deixar que o poema venha à tona e se estruture. Um bom poema é um prodígio de significados e leituras possíveis. Importa muito pouco se é um soneto, uma sextina, um haicai, se são trovas, versos livres e brancos ou redondilhas. Um poema vale pelo que consegue suscitar no leitor, “com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio.

Março é o mês de prestar homenagem aos poetas queridos, vivos e mortos, de hoje e de sempre. Não vou citar nomes, porque na certa deixaria alguns dos mais importantes, porque a cabeça sozinha não segura a lista inteira. Mas quero agradecer a eles, meus mestres, meus amigos presentes e virtuais, tantos e tão generosos.
Saravá, poetas do mundo inteiro e de todos os tempos! Obrigada por existirem, porque sem vocês o mundo seria ainda mais cruel.

22 comentários:

Anônimo disse...

"Poesia não é antídoto de nada, não é remédio, não relaxa." E às vezes agita e espalha alguma tristeza, para dizer o menos. "Poesia se identifica/pelas marcas na pele", como diz nosso velho amigo JN.
Saudações poéticas!
Beijo

Ivan

Vanessa disse...

Deve agradecer tb, não só pelos poetas existirem. Mas por vc nos lembrar de agradeçer!

Obrigada duplamente!!!!

bjsss

dade amorim disse...

Oi, Ivan!

Bom lembrar do JN numa hora dessas.
Saudade de você, viu?

Beijo.

dade amorim disse...

Pois é, Vanessa - poesia dá sabor à vida.

Beijo pra você.

Cris disse...

Saravá!!!

De uma fã de carteirinha dos poetas.

Beijo, querida

dade amorim disse...

Eu sei, Cris. Você vê a vida de uma perspectiva poética, dá pra sentir.

Beijo beijo.

Janaina Amado disse...

Tão bem escrito, por quem tanto gosta de poesia, como você. Tema difícil, porque muito explorado, mas você sempre encontra um ângulo novo. Beijo!

dade amorim disse...

Jana querida, ando com saudade de você. Vou te ver lá no Acreditando.

Beijo grande.

Luma Rosa disse...

Uau! Que bela homenagem!! Digna e justa!! (rs*) Admiro a arte de poetar e como não sei poetar, colo nos mestres e em meus amigos poetas! Parabéns!! Beijus,

Jota Effe Esse disse...

Grande texto, no tamanho e na qualidade. A poesia e os poetas agradecem, e te parabenizam pela brilhante poeta que és. Meu beijo.

Fred Matos disse...

Ótimo post, querida.
Entendo que você não tenha querido citar nenhum poeta, vivo ou morto, na homenagem, mas foi inevitável... lembrei-me imediatamente da Li... Muitas saudade.
Aproveitando a viagem: Após a sua observação lá no "ViverBahia" acerca da dificuldade de entrar no nas horas e horas e meias fiz uma série de mudanças para tentar tornar o blog mais leve. Se você puder, quando puder, dê uma olhada e me diga se agora está bom, se apenas melhorou um pouco, ou se as mudanças não surtiram efeito.
Ótima semana.
Beijos

dade amorim disse...

Pois fique coladinha, Luma, que dá muita alegria sua presença.

Beijo!

dade amorim disse...

Jota, obrigada por tanta benevolência :))

Beijo.

dade amorim disse...

Fred, também lembro muito da Li nessas datas, e principalmente lendo certos poemas cheios de vida como os dela.
Acho que está resolvida a dificuldade no Horas. Melhor pra gente, que pode ir lá sem problemas e curtir o que você escreve.

Beijo.

Anônimo disse...

Poesia é aconchego e cama de espinhos, li uma vez, não sei onde nem de quem. Será? Vejo mais como aconchego, mas quem sabe.

Beijo e parabéns a você pelo mês e pelos poemas César.

dade amorim disse...

Cama de espinhos, às vezes, sim.

Obrigada, querido César.

Anônimo disse...

Oi, Dade. Saudade de vc.
Passo sempre no Inscrições, embora seja ruinzinha de comentar. Mas amo os poemas que vc escreve. Também amei este texto.

Deixo um beijo e desejo uma semana muito feliz

Ana Luisa

dade amorim disse...

Também ando com saudade de você, menina. Vê se aparece.

Beijo beijo.

Jens disse...

Oi Adelaide.
Tenho um amigo sempre que houve falar em poesia saca o revólver. Não é o meu caso; sou um bagual sensível. Por isto concordo com a tua observação: "O que desenha um poema são marcas, cicatrizes, efeitos concretos da realidade sobre quem o escreve e sobre quem o lê". Assim, me junto à saudação e também dou um VIVA! aos poetas de todos os tempos, com destaque especial para CDA.

Beijo.

dade amorim disse...

Não quero te converter, Jens, mas fico contente de ter por amigo um bagual sensível :)

Beijo

José Carlos Brandão disse...

Muito boa a sua crônica, Dade.
"Poesia numa hora dessas?", disse o Veríssimo, né? Pior foi o Adorno diante dos campos de extermínio nazistas dizendo quase a mesma coisa. Mas é quando a poesia é mais necessária. "A dor é a véspera da beleza", diz um verso meu.
Um beijo.

dade amorim disse...

José Carlos, o Umbigo do Sonho saúda sua visita com champanhe e flores festivas. Uma delícia te receber.

Beijo.