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Laio dobrou o jornal e o deixou
sobre a escrivaninha. Recostou-se pensativo na grande cadeira de couro, olhando
um ponto distante lá fora, onde os galhos das árvores dançavam de leve. Não
sabia muito bem o que pensar do amigo. Se por um lado achava-o meio canalha por
ter se metido daquele jeito em sua vida com Líria, por outro lado tinha medo de
estar bancando o ingrato. Vivia uma dúvida meio sem saída, porque não havia
como provar nada sobre ela. Além disso, ao menos até agora, não tinha
encontrado coragem para investigar o que seria mesmo verdade e o que poderia
ser uma acusação leviana. A confiança que sempre depositara no amigo o
imobilizava um pouco, talvez pelo medo de confirmar o que ele havia dito,
naquele dia que passaria o resto da vida tentando esquecer. E mesmo que fosse
verdade, como condenar assim a mulher a quem devia a melhor fase de sua vida?
Ela parecia tão sincera, tão magoada pela atitude dele e indignada com o gesto
de Pôncio, que Laio não conseguia acreditar inteiramente no amigo. Às vezes se
perguntava se não teria agido de um modo brutal, se não estava sendo injusto
com ela e consigo mesmo, afastando de sua vida a pessoa com quem mais desejava
estar.
Tinha guardado o jornal com a
coluna de Pôncio, falando no caso do estádio e pedindo a colaboração dos
leitores, que lhe despertara um sentimento persistente, difícil de definir.
Tinha vontade de ir procurar o amigo (ou ex-amigo), certamente uma deixa para
acertar as contas com ele, conseguir ver mais claro nessa barafunda que
enredava sua vida ultimamente. Quando estava quase decidido, contudo, essa
mesma insegurança o detinha e o forçava a pensar melhor – mas pensar o quê? Era
como se atravessasse uma zona de neblina muito espessa, como se tivesse os
olhos turvados. Como abordaria o outro, o que lhe diria? A imagem de Líria às
vezes parecia saltar em seu pensamento – Líria com lágrimas escorrendo pelo
rosto, furiosa, arrasada; Líria em outros tempos, feliz da vida – ninguém sabia
ser tão feliz quanto Líria – dando voltas pela praia, nas férias, entrando no
mar, rindo para ele.
De repente, Laio se levantou e
lançou um olhar pela mesa. Vestiu o paletó, conferiu os bolsos e fez uma
ligação do celular. Depois saiu e entrou no elevador. Tinha um ar muito
decidido, quase de atrevimento. Na verdade estava irritado contra a própria
indecisão, contra o juízo inseguro que fazia de Pôncio, contra a possibilidade
das fugidas de Líria, contra a vida.
Pôncio o esperava no escritório,
mais curioso do que inquieto, um pouco preocupado, não muito, e percebeu que
aguardava esse encontro com certa ansiedade. Não foi logo ao encontro do outro,
quando o viu abrir a porta que deixara encostada. Hesitou sobre o que dizer, e
arriscou um oi meio sem expressão. Laio fechou a porta com uma cara pouco
promissora, e pela cabeça de Pôncio passaram várias possibilidades – um tiro
não, não seria o caso; palavras duras, talvez, mas nada que pudesse chegar a
uma agressão, porque o tempo já havia passado. Esperou com um meio-sorriso e
disse ao outro que sentasse a sua frente, estendendo-lhe a mão, cordial. Laio
ficou olhando para ele e sorriu também. Bom, estava quebrado o primeiro gelo, e
era quase certo que não houvesse mais gelo nenhum daí para a frente. Um diante
do outro, as palavras começaram a sair mais espontâneas – tudo bem, e aí, como
vai a vida. – Não sei bem como vai a vida, cara. Ainda não sei. Não tomei pé
nessa nova vida. Pôncio esperou um pouco. Queria que tudo corresse naturalmente
nesse reencontro, que o tecido delicado da amizade pudesse se regenerar sem
traumas. Esperava o que ele iria dizer, mas sua expectativa mais tensa não se
confirmou, ao menos não de pronto.
Laio afinal voltou a falar. Falou
da coluna do jornal, da história do desabamento e da questão dos leitores –
você sabe, nem todo mundo tem critérios suficientemente confiáveis, pode ser um
risco acreditar – e Pôncio sorriu. Ah, se você soubesse as mensagens malucas
que têm chegado à minha caixa de correio! Estava de alguma forma aliviado, como
se tivesse esperado um golpe e em vez disso recebesse um afago. Falou dessas
mensagens e os dois riram com vontade. Não por causa das bobagens que o outro
descrevia, mas porque de repente tinham ficado muito alegres. – Cara, disse o
jornalista, vamos tomar alguma coisa? Desceram como dois colegiais no começo
das férias.
Um ano antes, logo depois da
decisão de se divorciar de Laio, Líria tinha escrito uma carta catártica ao
ex-amigo jornalista. Pretendia feri-lo com o que tinham tido de melhor, aquela
amizade cheia de confiança e alegria, uma alegria serena, clara, isenta de
dúvidas. A amizade que até agora lhe doía tanto ter perdido. Tanto ou quase
tanto quanto a perda de Laio. Restava Larissa, que às vezes, sem dizer nada,
ficava com um olhar engraçado, como se hesitasse quanto ao que dizer, como se quisesse
perguntar alguma coisa que não se sentia autorizada a perguntar – mas como, se
eram ainda amigas? Líria percebia que o gesto de Pôncio jogara uma sombra entre
elas duas, e talvez a culpa fosse dela mesma, porque Larissa parecia não saber
ainda. Que inferno, que confusão na cabeça, como detestava ter que viver se
equilibrando entre decisões que afinal não resolviam nada.
Nessa tarde decidiu ir à procura
de Pôncio. Mais de um ano havia se passado, as cabeças estavam mais frias. Se
ele nada dissera à mulher, era porque restava alguma insegurança, quem sabe não
tinha sido impulsivo demais e agora não tinha coragem de – o cretino,
resmungou, pegando o telefone.
Pôncio foi pego de surpresa. Além
disso, estava diante do amigo. Limitou-se a respostas curtas, mas não quis ser
hostil. Tampouco informou a novidade a Laio, que já se despedia. Por esse lado,
os ressentimentos estavam desfeitos, tinham se evaporado. A amizade apenas
hibernara, durante um ano em que as peças tinham mudado de lugar muito depressa
e de modo inesperado até para os atores principais. Não sabia como acabaria o
encontro com Líria, mas não ia fugir. Além disso, estava muito curioso sobre o
que ela iria dizer ou fazer, depois desse tempo de distância.
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