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– Meu lindo, você vai me dar
muita sorte, eu sei que vai – Líria repetia, olhando o gatinho que cochilava
sobre a almofada, parte do enxoval comprado na véspera para fazer da vida de
Pascal, o gato, um paraíso completo. Encontrou-o no jardim de seu edifício,
aparentemente abandonado; não devia ter mais de um mês de vida. Era um bichinho
cinzento e gorducho, e os olhos azuis e redondos que olhavam para ela como se
pedissem ajuda a conquistaram sem remédio. Mais ainda se encantou quando o viu
pular de susto por causa das badaladas do relógio na sala. Pascal mamava numa
chuquinha de plástico, e era uma alegria sem nome ver o leite diluído em água
sumir em poucos minutos. Encarregou sua nova ajudante de alimentá-lo enquanto
estivesse fora de casa, trouxe vitaminas e brinquedinhos macios, dos quais ele
a princípio manteve uma distância muito prudente; mas logo depois, para êxtase
de Líria, fazia piruetas e dava corridinhas atrás da bola e mordia
delicadamente um panda minúsculo, que logo deixava de lado, mostrando sua
preferência inequívoca pela bola.
De repente a vida valia a pena de
novo, e ela se sentia subitamente mãe de todos os desvalidos. Na falta do filho
que não podia ter, criaria Pascal como um bebê, até quem sabe quando. Talvez
até adotasse um bebê de verdade, mas isso ainda era apenas um desejo sem forma
definida. Por enquanto, ela e Laio passavam pela fase deliciosa de inventar um
filho de todas as maneiras possíveis. E quando a noite ia chegando, ela corria
para casa e se preparava para a chegada dele como uma adolescente que ama pela
primeira vez, Cleópatra se banhando em leite de cabra para Marco Antônio, como
qualquer mulher muito apaixonada.
As mensagens de Mônica na
secretária eletrônica do escritório despertaram várias sensações em Pôncio,
algumas bem contraditórias. Primeiro, um tédio agudo, quase uma repulsa que o
teria enojado, caso logo a seguir não crescesse uma curiosidade avassaladora
que o empurrou para o telefone; não completou no entanto a ligação, porque uma
onda de sensatez o conteve, e ele pensou no caso do senador e da prudência que
seria bom manter quanto a essa mulher venal. Nesse momento alguém tocou a
campainha da porta e ele foi abrir com a expectativa de quem espera alguma
novidade. Quando a figura de Mônica apareceu à luz que vinha da janela em
frente, imaginou que tipo de proposta iria lhe fazer e de que missão Lauro
Munhoz a teria encarregado. Tudo foi tão rápido que depois seria difícil
reconstituir a cena – Mônica se colando a seu corpo, os dois aos beijos no sofá
e a transa intensa e apressada, logo repetida, prolongada e sonsa, em que ele
mergulhou inteiramente esquecido de tudo e de todos até adormecerem, exaustos e
relaxados.
Quando caiu em si, eram sete e
meia da noite, e a consciência do que tinha acontecido caiu sobre ele como um
golpe que o pôs de pé a caminho do banheiro. Ela o seguiu pouco depois, mas o
encantamento tinha cessado, e em lugar do fauno encontrou um sujeito
mal-humorado, que fechou a porta em sua cara. – Prefiro que vá se arrumar bem
depressa e siga seu caminho, ele disse, como quem dispensa uma rameira. – Eu volto,
ela avisou, e ele respondeu – melhor não, mas ainda ouviu a voz da moça
chegando através do ruído da água – volto sim, pode ter certeza.
Saiu do banho com a cabeça
pegando fogo. Ligou para casa e não teve resposta, mas logo em seguida Larissa
ligava para seu celular. – Ainda está no escritório? – É, ele respondeu,
vacilante. – Vamos jantar fora? A proposta da mulher o apanhou desamparado, sem
saber como voltaria a olhar para ela, como devia agir agora. O episódio da
tarde estava atravessado em seu corpo, em sua cabeça, e ele disse que sim, que
era uma boa ideia, quase sem saber o que dizia. – Os meninos foram para a casa
do Laio, parece que eles têm um gatinho agora, os dois ficaram lá – mas Pôncio
não entendia bem suas palavras, e de repente lhe deu um desejo desenfreado de
beijar Larissa. – Sim, meu amor, te encontro lá no Piacere.
Desligou o telefone com um misto
de desespero, medo e culpa, muita culpa. Naquela noite levou uma enorme rosa
vermelha para ela e não quis demorar no restaurante. Mal conseguia se
controlar, acariciando o braço da mulher sobre a mesa. Larissa olhava o marido
com uma espécie de deslumbramento, sentindo em seu toque uma força diferente,
como se do contato da pele dos dois se desprendesse um fogo brando e
persistente que ia tomando conta dela toda. Além da culpa, a escorregada da
tarde tinha libertado nele um homem ainda desconhecido, que trazia o desejo à
flor da pele e praticamente não deixava mais espaço para o cara sensato,
jornalista respeitável e pai de família austero que tinha sido até aquele dia.
Mas o que mais a intrigou foi que, na hora do amor, ele tremia e viu que havia
lágrimas em seus olhos.
O dia seguinte seria inaugurado
por um telefonema do Loredo, que o convocava – agora mesmo, é claro. – Alguma
coisa com a fita? que foi que houve? perguntou, sobressaltado, mas o outro
desligou sem responder. Pôncio chegou à redação em tempo recorde e achou que
tinham lhe passado um trote, porque tudo parecia calmo e as poucas pessoas
daquele horário trabalhavam normalmente. Foi à sala do Loredo, que o mandou
sentar e assumiu um ar de conspirador. – Munhoz está processando o jornal, mas
não é só isso, cara. Ele está processando você também. E a tal da Mônica avisou
agora há pouco que entra hoje com uma ação contra você por assédio sexual e
atentado violento ao pudor.
Pôncio sentiu os olhos
escurecerem por alguns segundos e ficou imóvel, olhando para o Loredo. A cena
da tarde anterior passou por sua cabeça como num filme. Inacreditável como
podia ter caído na lábia daquela vadia. Tinha sido de uma fraqueza
inconcebível, insuportavelmente idiota. Como não percebeu logo?
— Loredo, o que é mesmo que ela
alega? – perguntou para ganhar tempo e poder pensar melhor. – Ora, ora, cara,
ela avisou que possuía provas circunstanciais de que você a atacou ontem em seu
escritório, onde foi procurá-lo para discutir a situação. – Que provas, que
tipo de provas? Ele perguntou, tentando esconder o sobressalto. – Ah, não sei,
ela só disse que – bom, de qualquer jeito você vai precisar de um advogado da pesada.
O Castro, ia adiantando, mas Pôncio o interrompeu. – Loredo, vamos conversar
primeiro. Ontem – começou, debruçado na mesa do redator-chefe. Pensava em
Larissa, nos filhos, nos amigos. Pensava em tudo e todos ao mesmo tempo,
enquanto contava ao outro os acontecimentos da véspera.
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