quinta-feira

Carlito Azevedo no Prosa e Verso


No sábado passado, foi inaugurado risco, a página mensal de poesia do Prosa e Verso, suplemento literário do jornal O Globo. A página, editada pelo poeta Carlito Azevedo, fala de e por meio de poesia, apresentando poetas novos da terrinha e poetas de outras plagas.

“Microcâmeras do espírito”, o texto de abertura, foi uma linda sacada do poeta. Só pra dar uma ideia:

“Aí estão as câmeras de segurança, detectoras de movimento, aí estão os rastreadores, aí estão os celulares espiões com microtransmissores para escuta ambiente. Tudo para nos proteger do outro, da vida do lado de fora da pele, sem que isso implique, contudo, num cresciemnto da vida interior. E aí estão também os que gritam que a vida não pode ser só isso, que o presente deve ser mais rico de aventuras e experiências, que viver não pode ser apenas ‘sobreviver a uma criança morta’, como dizia Jean Genet. E esses, ao que parece, nunca desaparecem. Eles estão sempre aí, chamem-se Rimbaud ou García Lorca, Fernando Pessoa ou Sylvia Plath, João Cabral ou Allen Ginsberg. [...] Esta página onde se vai ler poesia pretende ser uma transparência através da qual se possa ver o mundo, para além das câmeras de segurança, rastrear as idas e vindas do espírito humano numa época rica e turbulenta, partícula acelerada de sonho e mundo real.”

Ainda a poesia

José Carlos Brandão é o autor dos bons poemas postados no blog Poesia Crônica. 
Dele também é a crônica a seguir:

A maior tragédia do poeta
José Carlos Brandão



Disse Jean Cocteau que "para o poeta a maior tragédia é se o admiram porque não o entendem." Revi essa frase esses dias e comecei a refletir se meus últimos poemas (os que tenho mostrado, há outros que elaboro e reelaboro infinitamente e secretamente) são fruto dessa reflexão. A busca da simplicidade para não ser admirado, se o for, porque não me entendem. Comecei a escrever poemas complexos demais, para leitores iniciados. Considerava que a simplicidade era dificílima e só poderia ser atingida com muita experiência. Seria fruto da maturidade.
Mas me lembrei de que O Córrego tem uns doze ou quinze anos, Ele Era Nosso Pai tem mais de 15, Poente tem uns 20... Não foi agora que atingi essa maturidade, se é que consegui a façanha de ser entendido. Porque a questão não é tão simples. Um grande amigo reclamou: “Você escreve difícil, Zé.” Acontece que esse amigo não é leitor de poesia, aliás, não é leitor de coisa nenhuma. Penso que está respondida a questão: quem não é leitor de poesia, por mais que tenha boa vontade, por maior que seja a amizade, não entenderá o poema mais simples. E muitos, além de não serem leitores de poesia, não são leitores de nada – a esses é impossível esperar-se o milagre de entenderem um poema.
Por falar em entender um poema, tenho insistido nesse ponto há muitos anos: um poema não é para ser entendido. Mas fruído, degustado aos poucos, saboreado com prazer – aquele prazer que leva ao êxtase estético. Não é preciso se analisar a obra para se saber o que o autor quis dizer, não é preciso explicar pari passu as suas intenções aparentes e ocultas. Um poema não é uma obra de autoajuda para transmitir uma ideia banal ou profunda que possa ser lida como uma filosofia de vida. O poeta não transmite ideias, mas imagens. O poema não tem nenhum compromisso com a verdade, mas apenas com a beleza. Se é que tem algum objetivo, será o de encantar, extasiar.
As imagens do poema, inevitavelmente, farão bem ao leitor. Se gostou, se se emocionou, se sentiu que a realidade é bela, e a beleza é sempre um bem, e se sentiu que a realidade é mais do que a realidade, ou se apenas sentiu a realidade, o poema lhe fez bem. Mas, repito, não é preciso explicar essas imagens. Não sejamos tão magistrais. Afinal, repetindo-me ainda, explicar uma piada tira toda a graça da piada – quem precisa de explicação ri sempre sem graça, fica com cara de bobo.
Se é diminuir muito a poesia compará-la à piada, comparo-a então à mágica. A poesia tem o sortilégio da mágica. E sabemos que um mágico não ensina como realiza seus truques, seria tirar-lhes todo o encanto.
Desmontar o relógio ou a caixinha de música para saber como funciona tira-lhes toda a graça. A criança quebra o brinquedo para ver o que tem dentro e depois chora, não só porque está quebrado, mas porque sempre era melhor não saber.
Não prego a ignorância (ainda mais que já dei a entender que sou contra toda pregação). É preciso desenvolver no leitor o gosto estético. É preciso que o leitor tenha, antes, a capacidade linguística. João Cabral fez séries de poemas sobre o ovo, o relógio ou a cabra, matérias não-poéticas – estava ensinando-nos que poesia é antes de tudo uma questão de linguagem.
O poeta precisa dominar a linguagem para escrever (até para escrever errado). E o leitor precisa dominar a linguagem, não para entender um poema, mas para senti-lo. Sentir já é uma forma de entender.
Quando se fala em sentir, pensemos em sensações. O poema é uma forma, que posso manusear, ver, ouvir, cheirar, saborear. O poema é um objeto que deve tocar aos meus cinco sentidos, talvez a um sexto, a um sétimo... Estaríamos falando da imaginação, da perplexidade metafísica... Mas não é preciso complicar. Fiquemos nos cinco sentidos, que, pelo menos teoricamente, são bem fáceis de entender. Fiquemos no prazer de sentir as imagens do poema, é muito, pode ser tudo.
(Como no poema de Manoel de Barros: “Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. / Eu não preciso de fazer razão.")

indicativos

 











tinha muitos espelhos pela casa
pra não perder de vista
sua terceira pessoa do indicativo presente



                                              

***********





Boa Páscoa e bom fim de semana!