segunda-feira

Ípsilon



Chama-se Clédereley. Na verdade era Cléderelei, nome escolhido pela mãe, inspirado na mitologia escandinava, que tinha mexido com os arcanos da cabeça dela. Tentou conhecer as façanhas desse herói, mas dona Altina nunca soube explicar, bem ou mal, quem era ele ou o que haveria feito. Cléder andou pesquisando na enciclopédia que tinha em casa, a Conhecer; consultou o professor de história e um vizinho com fama de erudito, mas não encontrou quem explicasse. Em vez de duvidar das origens de seu nome ou da existência do personagem, se sentia ainda mais engrandecido pelo mistério.
Cresceu ouvindo comentários, às vezes irônicos, outras de uma admiração dúbia. Na escola a galera fazia chacota o tempo todo, e quando a primeira namorada descobriu que ele não era apenas um Cléder, mas um Cléderelei, fez uma cara engraçada e passou a sair com o Anderson, um garoto de má fama da sala ao lado. Na primeira tentativa de ganhar um emprego, o cara dos recursos humanos ouviu o nome dele e o olhou com ar de mofa. Não teve sucesso nessa nem nas tentativas posteriores. Verdade que não passara do fundamental e não aprendera profissão nenhuma. Mas seu amigo de infância, o Miro, estava ganhando uma baba como mensageiro no escritório do tio e sabia menos que ele.
Foi aí que lhe falaram da influência dos números sobre o nome. Procurou um guru com fama de infalível e mudou de nome: agora seria Clédereley, com ípsilon em vez de i. "O ípsilon é uma letra poderosa", me explicou. "Um som aberto, desdobrado, que vale por dois. Os orientais, em sua infinita sabedoria, têm muitos ipsilones no nome para atrair bons fluidos."
Conseguiu um emprego de garçom na semana seguinte. Diante disso, dona Altina agora é Altyna; o pai deixou de ser Clarindo e passou a Claryndo. E Cléder conheceu uma simpática morena chamada Alanayldes, o que só podia ser um sinal do além. Casou com ela e os dois tiveram logo no ano seguinte uma linda menina, registrada como Ylylyana.

2 comentários:

Halem Souza disse...

Adorei o humor do texto. Mas uma pergunta me encasqueta: por que quase sempre que a pessoa pobre tem que ser assunto pitoresco (ou mesmo "dramático") do texto literário, o seu nome termina em "ei" ou "ey" (já que " o ípsilon é uma letra poderosa")? E se for mulher, é "eia" (ou "eya"...

O que eu tenho encontrado de "Fabrícios", "Thiagos" (assim mesmo, com "th") e "Pedros" nas "quebradas" em que trabalho não tá no gibi...

Mas se o personagem se chamasse Gabriel (e como tem Gabriel, junto com Kauã, atualmente) a historieta não teria a mesma graça, né não?

Um abraço.

dade amorim disse...

Claro que não Halem. A coisa vem do tempo em que a numerologia comandava vidas.

Beijo!