Nelson Rodrigues dizia que “o palavrão está corrompido pelas mulheres”. Numa entrevista publicada na Veja em 13 de março de 1974, quando foi lançado O Anti-Nelson Rodrigues,
ele declarava: “Eu tenho uma profunda nostalgia do velho palavrão.
Quando percebi que as mulheres começavam a dizer palavrões, eu me tornei
na vida real o homem mais antipornográfico do Brasil. Eu não digo mais
palavrões. (...) Tiraram a dignidade e o dramatismo do palavrão.”
Desconfio
que a bronca do velho Nelson era mais da ordem da estética rodriguiana
do que propriamente pelo fato corriqueiro de a mulherada ter liberado a
linguagem, antes ou depois de liberar o resto. Na verdade, hoje o que
perdeu a dignidade e o dramatismo não foi bem o palavrão. Se ele tivesse
conhecido a mulher-melancia e a quitanda que veio depois, diria que
tiraram a dignidade da bunda.
Mas o palavrão continua uma
instituição inabalável. Nada substitui o auxílio luxuoso de um p*#@, de
um c#*$&; na hora de uma topada e nos momentos de ira profunda,
quando alguém nos irrita a níveis inenarráveis ou o telefone toca lá na
sala exatamente na hora em que você entrou debaixo do chuveiro e começa a
se ensaboar.
Lá de vez em quando deixo escapar unzinho ou outro,
nesses momentos cruciais da existência. Mas tenho alguns substitutos
para eles, resquício dos hábitos da família pequeno-burguesa onde
cresci. Com a condição de que não queiram dizer mais nada do que o que o
momento exige, acho que essas palavrinhas não me tiram de todo o gosto
de reagir às agruras do dia-a-dia sem dar um mau exemplo escancarado aos
mais jovens nem passar atestado de grossura em mim mesma. Tenho amigas e
parentas que educadamente exclamam meleca, puxa ou cacilda; porém tais
palavras não têm a força de um palavrão pornográfico, porque estão
contaminadas de outros sentidos mais usuais, e por isso mesmo não chegam
a expressar de modo satisfatório o estado de espírito que o momento
requer.
Costumo apelar para termos tais como bláumida, adjuricaba,
carmenótipa, simônjara trepódica, expressões que me vêm quando estou
puta demais da vida. Não querem dizer nada que alguns palavrões já
consagrados não pudessem resolver. Mas não ando dizendo palavrões a
torto e a direito, minha educação não permite. Então, e já que não sou o
anjo que a família gostaria de ter produzido, inventei, ou melhor,
deixei virem à tona essas palavras, palavrões exclusivos em estado puro.
Elas foram criadas em momentos de raiva, dor ou falta de alternativa
para mudar alguma situação que exigia reação verbal à altura. Dessas
que, se você aguenta calado, perigam te fulminar com um infarto.
Respeitadas as condições aqui expostas, posso emprestá-las a vocês, que
também foram educados pelos códigos celestes e sofrem de supereguite que
nem eu. Mas veja lá, não me corrompam a integridade dessas palavras
violentas com futilidades como as reportagens da Caras, comédias da
sessão da tarde ou o bbb.
6 comentários:
Adjuricaba! P&*#@**!!! Muito bom. Desconfio que até os anjos falam lá seus palavrões.
Acho que o melhor momento de empregá-los não são os de raiva ou indignação, mas os de surpresa, como, por exemplo, quando se descobre o estado da educação no país, da saúde, da segurança, da corrupção, da intolerância... Tudo aquilo que a gente nem imaginava que havia.
Beijo
Que crônica deliciosa, Adelaide. Leve, engraçada, um exemplo de humor elegante, que dispensa o uso de expressões chulas ou piadas grosseiras, como atualmente está em voga na maior parte dos textos de humor cometidos em nossas plagas. Gostei particularmente da observação de que tiraram a dignidade da bunda. Mulheres quitanda igualmente é um achado. Nelson seguramente adoraria.
Beijo.
Humor enxuto, menina. Adoro.
Beijins.
Nunca falatm oportunidades para um bom palavrão, não é, Marco?
Beijo grande.
Amável amigo Jens, você é sempre muito gentil.
Abraço.
Obrigada. querida, volte sempre.
Beijo beijo
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