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A atitude do detetive não saía da
cabeça de Pôncio, que à noitinha comentava seus motivos possíveis com Loredo e
o Castro. – Pode ser que tenha descoberto alguma coisa importante, e esteja
economizando palavras para não desperdiçar assunto. É bem a cara dele. – Tomara
que sim, augurou o redator-chefe. Começo a achar que esse cara é um detetive sui generis, um profissional muito
competente, com certeza, mas dotado da intuição de um sensitivo. A maneira como
ele age é fora do normal. Parece que fareja as coisas, tira conclusões no ar,
inesperadamente. E ainda não peguei um erro nas conclusões que ele tira.
Castro concordava com o chefe,
mas logo a conversa seria interrompida por um telefonema anônimo, rápido e
agressivo, em que uma voz de homem dizia, escandindo as sílabas, – podem
escrever. Se o puto do Munhoz não for pra cadeia, vocês vão se ver comigo.
Castro tinha grampeado os telefones da redação e o do escritório de Pôncio para
chamadas de fora. – Vamos achar esse desafeto do senador, disse. Depois ligou
para Cosme, que respondeu laconicamente já saber da chamada e de quem provinha.
– Para isso é um detetive, comentou Loredo, um pouco decepcionado com a
ingenuidade do Castro, ao mesmo tempo em que ruminava sua própria surpresa.
Hartmann e Larissa, que já tinham
tomado um café dias antes, conversavam de novo, no mesmo lugar, sobre o imbroglio em que o marido dela se
envolvera e as possibilidades de defesa e absolvição, que ele não julgava
difícil de conseguir. A postura dela era a de uma esposa preocupada, e a do
comandante parecia expressar apenas solidariedade e atenção. Entre as palavras
que trocavam, no entanto, havia certa eletricidade que os olhos às vezes
confirmavam, sem que nenhum dos dois fizesse um gesto fora do ritual da
amizade. Até o momento em que Roberto – assim ele queria ser chamado – deixou
escapar, ninguém poderia dizer se intencionalmente ou por um desses lapsos que
nos denunciam sem querer, mas morrendo de querer, que os olhos dela lhe
pareciam tão cheios de vida que o deixavam meio tonto.
Seguiram-se uns segundos do mais
intransponível silêncio, em que ambos pareceram petrificados, e depois Larissa
riu um risinho meio constrangido – imagina, como você é gentil, e pegou a bolsa
para deixar uma nota sobre a mesa. Ele porém se adiantou e foi até o balcão
pagar a conta. Antes de se despedirem, na porta do café, ele beijou sua mão bem
de leve, com ar grave. – Eu gostaria que a gente pudesse se ver de novo. Acho
que é preciso examinar melhor essa questão que o Canhedo colocou e que ficou um
pouco – Larissa porém parecia bem apressada, e desceu os três degraus com um
sim de cabeça, sem olhar de novo para ele.
Como se adivinhasse, Pôncio
chegou mais cedo e a encontrou diante da bancada da cozinha temperando uma
salada para o jantar. Os meninos tinham viajado com a família de um colega de
Cinho para um fim de semana na praia.
Larissa remoçara. Parecia mais
ágil, a cara meio marota. Estava mais esguia, a cintura dengosa, os seios
querendo furar a blusa fina. Tinha o rosto corado, quente, e quando o marido se
aproximou para beijá-la como há muito não fazia, tudo escureceu aos olhos dela.
Um desejo quase doloroso tomou conta de Pôncio, e ela nem pensou em resistir
quando a levou para o quarto, enganchada a seu corpo, e o líquido quente
escorreu pelas pernas do dois ainda a caminho da cama. Lembraria mais tarde de
ter chorado e suplicado coisas muito loucas, da sensação inexplicável e nova de
um prazer de aniquilação, de ter pedido para morrer por suas mãos, e das vezes
em que o gozo voltaria a pulsar em cada um de seus órgãos, as cabeças como se
estivessem prestes a explodir, pontos luminosos percorrendo os olhos. Houve um
momento em que Pôncio teve medo da violência que os dominava como uma força
independente injetada no sangue.
Adormeceram quase sem sentir,
como se a vida tivesse se esgotado neles. Ficaram assim, encaixados um no
outro, até o dia seguinte, que era um sábado. Acordaram depois do meio-dia, e
um beijo intenso misturou seus dentes e as línguas, os lábios prestes a se
fundir, até que ele deslizou para dentro da mulher, e ternamente se deixou
ficar assim, à luz do sol que vinha da janela. – Não quero levantar, ele disse.
Não quero sair daqui. Quero te curar das maldades dessa noite, e a abraçava,
acariciando sua pele, protetor, beijando as marcas em seu pescoço. – Então
fica, ela respondeu, toda entregue, sentindo as asas se agitarem de leve. É
tudo que eu mais quero, completou, enquanto o voo batia mais forte e ela gemia
baixinho, alagada de prazer. Dormiram de novo até que a tarde já ia alta e
sentiram fome. Na bancada da cozinha, uma salada pronta os esperava.
Aproveitaram a ausência dos
filhos para ir dançar e entraram pela noite em uma boate da moda, rodeados de
jovens, à luz frenética que piscava sobre eles, e tudo lhes parecia uma delícia.
De lá saíram para namorar à beira-mar, quase de manhã, e tomaram café em frente
à praia. – O melhor café de minha vida, disse Pôncio, e era sincero. – Da minha
também, ela respondeu, e ficaram os dois perdidos nos olhos um do outro. –
Sabe, fala sério, você não acha muito louco esse nosso caso sem começo nem fim?
– Sabe o que eu acho? – ele disse, junto ao ouvido de Larissa. Acho que você
encontrou a palavra certa. Nós temos um caso que nem o casamento consegue
atrapalhar. Voltaram para casa em estado de graça, ela deitada ao colo dele. –
Se um guarda nos pega, você perde a carteira, ela disse, rindo. – Abençoados os
guardas que dormem na manhã de domingo, ele respondeu, dirigindo com uma das
mãos.
A segunda-feira se anunciava por
uma chuva forte que engarrafou o trânsito e atrasou boa parte dos alunos da
escola dos meninos. Ao volante, Pôncio ligava para a redação, mas o celular
funcionava mal, e ele acabou desistindo. Achou melhor relaxar um pouco. Tinha
um dia imprevisível pela frente, não valia a pena perder a cabeça. Ficou
olhando a chuva e conversando com os filhos até que a fila de carros e ônibus
começasse a se deslocar. O tempo dera uma pequena trégua, mas quando os dois
saíam do carro o vento recrudesceu. – Liguem pra casa, se não conseguirem sair
na hora, gritou. Não deixem a mãe preocupada. Eles levantaram os polegares,
correndo para dentro. Enquanto dava saída ao carro, teve a impressão de que
alguma coisa dentro de si estava forçando seu peito, atravessada à respiração.
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