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Não houve novidades na segunda
nem nos outros dias da semana. Ele sentia os nervos à flor da pele, chegava
sempre exausto em casa. Larissa preparava seus pratos prediletos, trazia filmes
que às vezes partilhavam com Líria e Laio, massageava os músculos tensos de seus
ombros e aparecia de vez em quando no escritório para um café feito na hora ou
um lanchinho gostoso. Numa dessas tardes amaram-se no sofá da sala de trabalho,
“para exorcizar os fantasmas”, e em casa, nas duas noites em que ele não
conseguiu pegar no sono, reeditaram a festa da madrugada do sábado anterior em
versão um pouco menos extensa. No sábado seguinte, tinham um convite para
jantar em casa do Canhedo na companhia do que passaram a chamar a turma do
Pôncio. Para alívio e preocupação dela, Hartmann não apareceu. Temia tê-lo
irritado, e que isso pudesse azedar a atuação do comandante quanto a Pôncio.
Nunca se sabe como vai reagir um homem nesses casos.
Em compensação, Cosme apareceu no
velho Passat branco e parecia contente, a julgar pelo sorriso com que entrou no
galpão, bem na hora em que saía do forno um enorme dourado todo enfeitado e a
mesa se completava ao som das vozes animadas por cerveja gelada e vinho branco.
Aproximou-se de Pôncio e entregou-lhe um relatório em que dava conta de algumas
conclusões animadoras: conseguira provas da culpa de Antônio Malafate quanto à
morte de Mônica Lessa, o que surpreendeu o jornalista, certo de que essa culpa
recairia sobre Lauro Munhoz. Mas não era só isso. Contou-lhe que agora não
havia dúvidas, e três testemunhas estavam dispostas a desmascarar de vez o
ex-prefeito com provas irrefutáveis de sua responsabilidade no caso do estádio,
o que lhe valeria uma acusação de homicídio culposo de centenas de pessoas.
Alguns documentos dados como perdidos – evidentemente com a intenção de abafar
o caso e de jogar poeira nos olhos dos encarregados – tinham sido guardados por
funcionários ressentidos, e agora ressurgiam, na hora em que eram bem oportunos
para incriminar Lauro e livrar Pôncio da suspeita de calúnia.
Diante disso, o jantar foi um
sucesso absoluto, Cosme foi carregado pelos amigos e o vinho e a cerveja
rolaram um pouco além da conta, de modo que os dois casais e os meninos de
Larissa e Pôncio aceitaram o convite do Canhedo para dormir em sua casa. Ainda
não eram duas horas quando Cosme voltou para casa (nunca bebia nada que tivesse
álcool), assim como o Castro e o redator-chefe, praticamente vizinhos do
Canhedo. Os quatro entraram nos quartos depois das três horas, ainda cheios de
alegria, e mesmo cansados continuaram a conversa. Os meninos tinham caído no
sono pouco mais de meia-noite, de modo que havia a chance de um joguinho rápido
e algumas piadas para aproveitar a distensão do momento.
Alguém pensou em uma nova
experiência, mas não chegou a pôr em palavras a sugestão. Haveria na certa
sérias restrições, e talvez até a amizade dos quatro sofresse com isso. Além de
tudo, o cansaço e o que restava dos vapores em suas cabeças não deixavam muita
energia para outra alternativa que não fosse dormir. Mas a ideia ainda vivia;
em sonho, Laio os olhava de fora e via os quatro, incluindo ele mesmo,
envolvidos em abraços e carícias como uma ninhada de gatinhos. No meio do
suingue, Pascal aproveitava o calor dos corpos e lambia os bigodes com os olhos
azuis brilhando.
A festa de sábado entrou pelo
domingo de praia e almoço num restaurante do Leblon. Ninguém mais pensava nos
problemas legais, mas Pôncio ainda não estava tranquilo. Nem podia. Era cedo
para se julgar livre de encrencas. Tinha razão: Lauro Munhoz procurou por ele
na terça, queria conversar e se recusava a encontrar com o jornalista em outro
lugar que não fosse seu gabinete particular no Rio.
Uma crise de desalento o dominou
tão completamente que foi preciso procurar o Castro e o detetive – que não
conseguiu encontrar – para ouvir deles os motivos que poderiam funcionar a seu
favor nesse encontro. Queria se ver livre daquilo tudo, e preferia partir já
com as falas decoradas, como se fosse atuar num palco. – Você tem o direito de
levar o advogado a tiracolo, opinou o Castro. – E se ele não aceitar? – Que se
dane. Se o interesse do encontro é dele, por que não aceitaria? Já está impondo
condições demais, com essa história de exigir que o papo seja em seu
escritório. – Acho que o Castro tem razão, disse Loredo, que chegara no início
do encontro e fora chamado pelos dois. E pode ir começando a sacudir essa coisa
que está te empurrando pra baixo, não há motivo. Que cara é essa, medo do
Lauro? – Aliás, você só vai a esse encontro se quiser, acrescentou o advogado.
E uns segundos depois, – eu nem aparecia lá.
Pôncio criou alma nova. Rever
Lauro, depois daquilo tudo, era um saco. E ainda por cima no lugar escolhido
por ele, seu ninho de senador corrupto e arrogante. Ele sim, devia estar
deprimido e preocupado. Saiu da redação mais cedo, passou no escritório para
pegar o pendrive com os arquivos do
livro e da coluna do dia seguinte, e seguiu para casa levando um vinho da adega
da esquina e umas flores para Larissa.
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