Prezado senhor,
Creio que posso ser útil a seu
intento de conseguir novos dados e informações capazes de avançar, um mínimo
que seja, na elucidação da catástrofe que atingiu centenas de pessoas em 1998.
Passo então a lhe narrar, o mais minuciosamente possível, o que presenciei
durante aquele dia de triste memória para a cidade do Rio de Janeiro.
Estava eu ainda à procura de uma
parenta, que me avisara de sua intenção de assistir ao show daquela data. Como
não tivesse sucesso na busca meramente ocular, pensei em fazer uma chamada por
um dos alto-falantes instalados na parte superior do estádio. Fosse hoje,
naturalmente teria feito uma ligação pelo telefone celular, bem mais simples.
Mas não era esse o caso, tais aparelhos eram ainda pouco usados e volumosos,
pelo que muita gente os evitava. Dirigi-me então a uma das cabinas ocupadas por
vigias e seguranças a serviço dos astros, já então em plena apresentação. Nesse
exato momento, um ruído estranho causou forte estática nos microfones e creio
mesmo que houve uma rápida mudança no compasso do sucesso em execução. Mas logo
a seguir, questão de um ou dois minutos, outro ruído mais forte ainda causou
uma sensação de tremor de terra na plateia, que ensaiou um começo de pânico.
Houve gritos, gente tentando sair de qualquer maneira, crianças chorando. O
apresentador do show foi até o microfone pedir calma, dizendo que nada de
anormal estava acontecendo. Foi logo desmentido por um estrondo e uma rachadura
que foi se formando num dos lados da arquibancada. Nesse ponto, ninguém mais
segurava o público aterrorizado, quer pelo fato assustador, quer pelo ruído que
cobria toda e qualquer comunicação dos responsáveis, que já nada poderiam fazer
para evitar o desastre.
Consegui uma saída rápida, graças
ao fato de estar indo em direção à referida cabina, situada junto a uma das
laterais de circulação. Por sorte minha, também, a queda da construção começou
do lado oposto àquele em que me encontrava. Lancei uma olhada de relance ao
interior do estádio e pude ver as pessoas sendo literalmente engolidas pelas
avalanches de concreto que já então rolavam livres. Julguei ver minha parenta –
uma prima em segundo grau, para ser mais preciso – mas nada poderia fazer para
salvá-la, a não ser que voltasse sobre meus passos e arriscasse minha própria
vida, já a salvo, quase alcançando a passagem que me levaria à rua em segundos.
Gostaria porém de informá-lo
sobre uma ação que é, ainda hoje, razão de grande orgulho e íntima felicidade
para mim: consegui salvar uma criança, um menino de nove anos, que lá estava em
companhia do pai e da mãe, ambos mortos na tragédia. O menino, de nome Alberto
Morais de Oliveira Sintra, hoje estudante de arquitetura (sinal de que o choque
não lhe fez um estrago irreparável, felizmente), soube informar onde
encontraria seus parentes, tios e avós, aos quais foi entregue no mesmo dia,
são e salvo, embora traumatizado pelo acontecido, acredito que para toda vida.
Alberto estava no meio do corredor, de volta da ala dos banheiros, e ficara
paralisado e atônito, sem saber o que fazer nem para onde se dirigir, quando
passei por ele e o tomei ao colo, levando-o comigo para a rua. Ficamos amigos,
quero-o como a um neto ou a um filho. Se isso puder interessá-lo, pedirei a ele
que lhe escreva uma mensagem narrando seu ponto de vista e suas memórias
daquele dia terrível.
Espero que tenha sido de algum
modo útil a sua reportagem, pela qual, aliás, quero felicitá-lo.
Um cordial abraço
Leônidas Placidino de Vieira
Corrêa
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