Esta é uma história longa. Por isso publico capítulo por capítulo. Se alguém gostar, fico feliz. Se não, fico feliz também, porque fui eu quem escreveu a história toda.
1
O relógio da sala ainda bate as
horas. Tem exatamente cento e dez anos de existência e ainda bate as horas.
Levantou com certa lentidão da rede, largou o jornal sobre a bancada e fez uma
careta. Dia chato. Foi até a cozinha, tomou um copo de água e olhou da janela o
estacionamento quase vazio. Laio detestava esse estacionamento, pensou, e
voltou ao escritório para ler o resto do jornal. De passagem pegou uma pera
rosada e cheirosa.
Voltou à cozinha minutos depois
para fazer um café e pensar, no banco de madeira comprido e pesado, onde se
sentia mais magra e costumava meditar sentada, em posição fetal, sentindo o
cheiro vindo da cafeteira italiana que ele lhe dera no ano passado. O tédio
tinha ido embora e alguma coisa muito promissora fervilhava dentro dela como
uma juventude – transviada, vá lá – um ímpeto qualquer de entusiasmo. Apoiava a
ponta do nariz sobre o joelho dourado, ideias cruzando o pensamento. Maquinar
coisas não era seu forte, mas naquele momento estava prestes a fechar um plano
perfeito e digno de um bandido com muitos anos de prática. A imagem de Pôncio
lhe veio nítida, clara; quase ouvia a voz dele dizendo: tudo que você merecia era perder até o ar, morrer de parada
respiratória, e tinha rido na cara dele de puro ódio. A primeira coisa que
lhe ocorreu naquele momento foi que Pôncio passava por um surto de
homossexualidade. Até então nunca o julgara assim. Difícil de acreditar, mas
enfim, nada é impossível.
Riu para si mesma, porque também
tinha pensado num interesse tardio do jornalista por ela. Fosse lá como fosse,
Pôncio era o principal responsável pelo fim de seu casamento com Laio e isso
não é coisa que se perdoe. Enquanto tomava café, o telefone tocou e Líria se
distraiu numa conversa sem consequências durante mais de meia hora. Por trás do
riso e dos gestos do momento, no entanto, a ideia continuava acesa como uma
nova razão de viver.
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