Acho bem difícil falar desse
assunto, que faz cócegas em um dos paradigmas de nosso tempo. Afinal, como
explicar a razão da vida sem que a satisfação do ego predomine? Já não estamos na
era mística em que se pregava a renúncia às glórias mundanas. Ao contrário,
hoje tais glórias norteiam as ações de tanta gente que fica difícil argumentar
contra. Para muitos, é líquido e certo que educar bem um filho consiste em
orientá-lo no rumo da vitória, seja nos estudos, no amor ou na carreira –
entendendo-se por vitória o sucesso financeiro e social. Aumenta a cada dia o número
dos que acreditam que a felicidade se alcança passando por cima dos que não
souberam se impor e não dedicaram seu tempo e energias exclusivamente a competir.
Nada contra vencer em
qualquer domínio de atividade. Ao contrário, quando alguém vence e se destaca,
em sua carreira, nos estudos ou no amor, experimenta uma das grandes alegrias
que a vida oferece. Um filho vencedor recompensa muitos esforços dos pais, assim
como um marido ou uma mulher que se destaca é motivo de orgulho para quem ama
de verdade e para seus amigos sinceros. Mas viver é bem mais que isso.
Enquanto a vida avança e a
idade aumenta, esbarramos em inúmeras razões de alegria e até de felicidade
genuína que não estão ligadas ao fato de ser ou não um vencedor, nesse sentido
estrito adotado pela civilização ocidental, em especial no Novo Mundo (que,
convenhamos, parece precocemente envelhecido e meio esclerosado). Se até os
vinte e poucos anos todos experimentamos a deliciosa sensação de onipotência
que a juventude garante, mesmo que não corresponda à verdade objetiva, depois
dos trinta quase sempre começamos a ver a vida com olhos menos delirantes. Se não
estivermos obcecados por esse ideal ególatra e afetivamente esterilizante de
vencer a qualquer preço e destruir todo mundo que possa atrapalhar essa meta, seremos
capazes de avaliar a vida com olhos menos ansiosos.
Então começa um ciclo que
pode ser o mais produtivo e o melhor de todos, quando aprendemos a amar nossas
realizações e tarefas, enfim, o trabalho que sai de nossas mãos, assim como certas
pessoas que nos rodeiam. Se a maturidade nos encontrar sadios e ativos, é quase
certo que teremos ao menos identificado e começado a procurar os caminhos que
nos conduzirão à realização pessoal, a mais importante de todas, ou aos
relacionamentos melhores para nós. Isso quer dizer o encontro da vocação de
cada um e sua realização afetiva. Descobrir o que gostamos mais de fazer, ainda
que as contingências do dia-a-dia não nos permitam uma entrega completa a essa
atividade, é tão ou mais gratificante que subir num pódio. Assim como amar alguém
e poder partilhar a vida com ele/a; tomar as próprias decisões com liberdade; aprender
a admirar as pessoas que nos parecem dignas disso. E ainda que nosso trabalho no dia-a-dia não traga
a glória, que seja bem realizado e alimente uma autoestima saudável.
2 comentários:
Tem razão, Dade, há muitos tipos de vitória, e talvez essas, de foro íntimo, sejam as melhores.
Beijoss!
Também acho, Camilla!
Estava com saudade de vc.
Bj
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