quinta-feira

Do jeitinho



René Magritte. Sem nome.


O jeitinho brasileiro é isento de culpa. Não se envergonha de nada do que faz. No entanto pode muito bem ligar-se à corrupção, assim, numa boa.
Na rede dos significados, o jeitinho tem um valor diferente de favor ou corrupção. Traz embutida uma lei informal que vale para alguma emergência por exemplo. Ora, quem presta um favor gera uma obrigação moral. Mesmo que se pague esse favor com outro ou com uma recompensa lícita. Há uma hierarquia entre quem dá e quem recebe.
A reciprocidade do jeitinho é difusa: ele pode ser “devolvido” a qualquer outra pessoa – parente, amigo ou apadrinhado do prestador. O que vai definir o beneficiário de jeitinho é a situação, a circunstância que o torna necessário.
O jeitinho conta muito mais com o implícito do que com o explícito. Traz em si um gene de economia informal, de improvisação e criatividade. Na vida privada ele não funciona bem. Favor é coisa que se faz aos amigos, tem certo traço de afetividade, mas é uma afetividade diluída em nuances de interesse.
A lei no Brasil é basicamente transponível. A regra não representa um limite na sociedade brasileira. Na esfera pública, o jeitinho nunca é associado à culpa. Basta ver o nível de impunidade que beneficia pessoas que comprovadamente malversaram ou roubaram recursos públicos em proveito próprio ou de outro de seu interesse. No Brasil, público não é o que pertence a todos, mas o que não pertence a ninguém. Isso isenta o eixo da responsabilidade individual de quem lança mão do jeitinho. A culpa é sempre atribuída ao macro: a raça, o clima, a globalização, a colonização, o imperialismo. Excetuando os dois primeiros, certos fatores podem ser em parte responsáveis por alguns problemas. Mas as ações nunca são genéricas, são sempre de um indivíduo.
Na verdade, a brasilidade tem sua importância, ou não teríamos chegado a ser a oitava economia do mundo. Mas outro de nossos vícios é a mania de só ver defeitos no que é brasileiro. E essa frágil auto-estima talvez explique por que é tão fácil usar do jeitinho e depois atribuir a culpa a um fator aleatório qualquer. Temos muitos defeitos do ponto de vista antropológico, e talvez o maior e mais fértil deles seja o complexo de inferioridade ,que nos torna incapazes de perceber e assumir nossa dignidade de nação. Afinal, se somos pobres, sofremos de males sociais que nos tornam alvo do desprezo do mundo desenvolvido e para atrair turistas nos basta a natureza, o que se pode esperar de nós senão o talento do jeitinho? Não é simpático ser malandro?
O grande problema está em que, entre o jeitinho e o delito existe uma linha tão tênue que em alguns momentos desaparece. E que isso aconteça com uns poucos, dá pra entender. Mas que seja uma mentalidade e um traço cultural, é grave. E que chegue a ser uma lei informal até nas altas esferas de governo, é quase uma catástrofe moral.
Afinal, quando é que vamos entender o quanto esse jeitinho tem de enganador, o quanto ele nos deprecia como país? É quase um paradoxo achar que sem o jeitinho nada vai se conseguir. Por que, se nossos recursos naturais são poderosos, nosso país é um dos maiores do mundo em extensão e a economia brasileira não vai mal, precisamos tanto dessa artimanha que cheira a mesquinhez? Será porque, apesar de tudo, a renda continua tão mal distribuída, a educação e a saúde continuam críticas e por isso falta esperança e a auto-estima das pessoas continua rasteira? Pode ser. Mas como se explica que gente graúda como congressistas, ministros e juízes se dêem a esse desfrute de aplicar golpes à base de jeitinhos? Um bom tema de pesquisa.

6 comentários:

mfc disse...

Aqui também é terra de "jeitinhos"... de muitos jeitinhos!

Anônimo disse...

Pesquiss à parte, o jeitinho não morrerá jamais.

Unknown disse...

MUITO BOM!

Não gosto desse famoso "jeitinho", muito menos do malandro brasileiro. Mas parece que é tradição. Sempre tem um na família.

E aí não fica bem.

Beijos

Mirze

dade amorim disse...

Jeitinhos nunca são coisa muito ortodoxa, não é mesmo, mfc?
Beijo.

dade amorim disse...

Concordo com você.

dade amorim disse...

Sim, Mirze, raramente alguma família escapa ilesa...
Beijo beijo.