sexta-feira

Ultrassonografia




Andei fuçando uns comentários antigos e achei um que me chamou a atenção. Não sei por que, não lembrava mais dele e até me surpreendeu, nessa pequena volta ao passado de apenas dois anos. Primeiro porque nunca mais recebi outra mensagem dessa pessoa, que não vou identificar por motivos óbvios. Depois, porque me pareceu intenso e sincero. Com a imaginação ativada, começam as conjeturas – quem poderia ser essa pessoa? Será verdade ou ficção? O link que deixou naquele comentário não corresponde a nenhum site, o que pode indicar que seu dono desistiu de ter um blog, que se escondia em um falso personagem ou não está mais entre nós.  

Era quase um lamento, mas não pedia nada. Na terceira pessoa – ele – falava de não ter com quem trocar as opiniões mais importantes e não receber nunca o olhar ou o simples gesto de uma partilha; da falta que faz um abraço desses estreitos, que relaxam mais que qualquer sessão de ioga ou medicamento de última geração. Falava acima de tudo da necessidade que todos temos de achar quem ouça com atenção nossas preocupações, dúvidas e angústias; de um semelhante que nos acolha quando de repente o fato de viver sozinho pesa demais e a tristeza começa a fazer ruir as estruturas que nos mantêm em atividade.

Haverá com certeza uma meia dúzia de gozadores interpretando essa história como mera cantada ou artifício de um cara mimado querendo “aparecer”. Pode até ser, sabe-se lá. Mas o tom não era esse. A versão da cantada pode ser posta de lado, porque o comentário foi único e ficou lá, esquecido num canto do blog, coisa que não acontece em casos que tais. Uma cantada nunca vem só. Além disso, não havia indício de sedução, ao contrário: pra quem quer conquistar alguém, ser tão pouco convidativo nunca dá certo. Um texto meio seco que, embora sugira carência afetiva, fala em tese.

Hoje, relendo as doze linhas desse comentário, vejo um pequeno poema em prosa. Um poema bem construído, sem açúcar nem afeto, mas sem amargura. Uma pequena imagem que fala por si, e lembra muito a ultrassonografia de um feto, com o coração pulsando como uma pequena estrela no meio do corpo, que ainda não é quase nada, mas sem saber testemunha sua sede de carinho.


4 comentários:

mfc disse...

Que post lindo!
Gostei pela sensibilidade que daí me tocou.

dade amorim disse...

Obrigada mesmo, mfc. Sensibilidade grande é a sua.

Beijos

Unknown disse...

Dade!

Estava curiosa e o Google não me permitia entrar aqui e ler.

Enfim consegui e valeu muito! Há pessoas assim dominadas pela timidez, ou com medo de críticas, que interrompem o que poderia ser valioso para todos nós. E assim perdemos ótimos escritores. Quem sabe uma repreensão familiar?

Que pena! Tão lindo o gatinho!

Beijos

Mirze

dade amorim disse...

Exatamente o que eu pensei, Mirze.
E o gatinho não é uma graça?

Beijos.