Assim que
conseguiu juntar o suficiente para uma vida sem maiores cuidados, tratou de
procurar uma casa acolhedora em um lugar aprazível, não muito distante do Rio,
onde pudessem, ele e a mulher, desfrutar a paz da natureza e uma vida sem
complicações. Em pouco mais de três meses tinham essa casa: ficava entre a
serra e o mar no estado do Rio, à beira de um lago escuro e plácido, rodeada
por um bosque, um jardim que já encontraram florido e um pequeno pomar.
Pensaram nos amigos, fins de semana reconfortantes e até férias que poderiam
lhes oferecer, agradando a eles e animando sua nova vida.
Logo que se
mudaram ficava horas a contemplar o lago, carpas, trutas e cardumes de peixinhos
que ia admirar da margem onde se instalava em uma cadeira preguiçosa com um
livro nas mãos. Descobriu nesse período que existe uma variedade infinita de
insetos de formas e cores interessantíssimas – alguns dos quais incomodam
muito, é verdade, e precisam de repelentes – o que resolvia a situação em
parte, porque a mulher sofria de alergia ao cheiro desses produtos e espirrava
sem parar depois de usar um deles.
A intenção
era não deixar passar mais de vinte dias sem uma ida ao Rio para assistir a uma
peça de teatro, ir a um cinema ou visitar alguém, além das exposições de
pintura que ela curtia. — É engraçado, disse a mulher, numa manhã, duas semanas
depois de se mudarem para a nova casa. Você às vezes não tem a impressão de
estar em outro mundo? — Eu não, isola! – ele respondeu, rindo.
Mas era
verdade. Talvez porque não viam os amigos de sempre, ou o telefone só tivesse
tocado quatro ou cinco vezes durante aquelas duas semanas. Ou porque o silêncio
tão denso absorvia qualquer ruído e era como um rumor surdo e permanente a soar
em suas cabeças.
Era setembro
e já esquentava, mas ainda fazia um pouco de frio durante as madrugadas.
Haviam-se passado pouco mais de dois meses na nova casa. Nas primeiras duas ou
três semanas, ele acordava refeito, contente e disposto, louvando o sono
reparador da noite. Mas ultimamente dera para acordar às três, quatro horas e
não conseguia adormecer de novo. Perder o sono naquele paraíso de silêncio era
uma heresia e o contrariava seriamente. Andava meio desconfiado, por mais
paradoxal que parecesse, de que a falta da agitação começava a perturbar seu
sossego. O isolamento e a sensação de estar sendo esquecido começavam a
estragar os sonhos de uma vida calma e livre naquela casa, idealizada durante
tantos anos e construída como um antídoto para os males da civilização
predatória em que tinham estado mergulhados nos últimos trinta e poucos anos.
Quando o sono afinal o vencia de novo, o céu já ia ficando meio iluminado
daquele tom rosado-ouro do outro dia.
Acordou numa
dessas manhãs às dez e pouco. A mulher o esperava na copa e sentada a sua
frente parecia pensativa. — Que foi? — Bem, nem sei como te dizer isso... Mas
acho que precisamos de umas férias. Que é que você acha de umas semanas de
barulho, poluição e perigo?
Em vez de
estranhar, ele sorriu com ar de cumplicidade. E logo depois do almoço daquele
dia estavam os dois a caminho do Rio.
10 comentários:
Pois é, Dade - somos assim mesmo, inconstantes e imprevisíveis...rs - Beijos.
DADE!
Juro que tentei e ainda bem que não comprei nada. Foi só um final de semana "TERRÍVEL" e, Miguel Pereira.
Chegamos lá à noitinha. Que lindo o por do sol. Fizemos um fondue, e acabou a luz. Fomos deitar. Eu jurava que tinha uma cobra embaixo da cama. Passei a noite ouvindo sapo martelo, gritos de bichos (tomara!) e amanhece o dia. A sinfonia dos pássaros para ver quem cantava mais alto, me enlouqueceu. Procurei livros, não tinha. Pela falta de luz a geladeira estragou o que levei. Cheguei de volta ao Rio às 9 horas da manhã, curtindo as sirenes de polícia, os tiroteios, o corre-corre dos camelôs.É nesse barulho que meu silêncio aflora.
Beijos
Mirze
é impossível ler-te sem que tendamos a passar em revista tanto do que, dentro de nós, se esconde do espelho...
beijinho!
Que saudade daqui!
Adelaide, há muito tempo eu não vinha à sua "casa"... vez ou outra entrava, bisbilhotava, mas nunca mais comentei.
Bom, há uns anos você me encorajou a fazer um blog, mas larguei pra lá.
Sou amiga da sua filha que eu tanto amo, a mãe do Pedro! Eu sempre segui o Umbigo, mas depois... sei lá, eesas coisas que a gente deixa de fazer sem mais nem menos.
Bom, retomei e... entra lá no http://dotamanhodaaguaforte.blogspot.com/ e veja. Vai ser uma honra te receber!
Um beijo de quem sempre te admirou!
Oi Adelaide.
Como é que é mesmo? Ah, lembrei: cuidado com os seus desejos; eles podem se realizar. No caso, flores do asfalto jamais serão flores do campo.
Beijo.
É da natureza humana e um pouco da animal, também :))
Beijos.
Mirze, nossa experiência com casa fora do Rio também foi frustrante.
Nem adianta tentar, quando a gente é muito carioca.
Beijo pra você.
Jorge, isso é um elogio e tanto, ainda mais vindo de você.
Beijo.
Kelly, fico feliz de te ver aqui de novo. Vou correndo à tua casa.
Beijo beijo.
Jens, há quem prefira flores de lá, mas nós aqui ainda preferimos as de asfalto mesmo. Flores são ótimas, mas podemos cultivar na varanda ou no jardim, que tem um.
Beijo.
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