O seguinte artigo de Caetano Veloso foi publicado domingo passado, dia 27 em sua coluna do Segundo Caderno no
jornal O Globo.
Caetano Veloso: "Bethânia"
Não concebo por que o cara que aparece no YouTube ameaçando explodir o
Ministério da Cultura com dinamite não é punido. O que há afinal? Será que
consideram a corja que se "expressa" na internet uma tribo indígena?
Inimputável? E cadê a Abin, a PF, o MP? O MinC não é protegido contra ameaças?
Podem dizer que espero punição porque o idiota xinga minha irmã. Pode ser. Mas
o que me move é da natureza do que me fez reagir à ridícula campanha contra
Chico ter ganho o prêmio de Livro do Ano. Aliás, a Veja (não,
Reinaldo, não danço com você nem morta!) aderiu ao linchamento de Bethânia com
a mesma gana. E olha que o André Petry, quando tentou me convencer a dar uma
entrevista às páginas amarelas da revista marrom, me assegurou que os então
novos diretores da publicação tinham decidido que esta não faria mais
"jornalismo com o fígado" (era essa a autoimagem de seus colegas lá
dentro). Exigi responder por escrito e com direito a rever o texto final. Petry
aceitou (e me disse que seus novos chefes tinham aceito). Terminei não dando
entrevista nenhuma, pois a revista (achando um modo de me dizer um
"não" que Petry não me dissera - e mostrando que queria continuar a
"fazer jornalismo com o fígado") logo publicou ofensa contra Zé
Miguel, usando palavras minhas.
A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de Leite derramado). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como Folha, Veja e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: "É preciso defender os fortes contra os fracos." Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa.
A Folha disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que – embora seu dono e editor tenha dito à revista Imprensa, faz décadas, que seu modelo era a Veja – se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A Veja logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela.
Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto "máfia do dendê", expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um Verdade tropical). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão.
Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de Leite derramado). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como Folha, Veja e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: "É preciso defender os fortes contra os fracos." Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa.
A Folha disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que – embora seu dono e editor tenha dito à revista Imprensa, faz décadas, que seu modelo era a Veja – se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A Veja logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela.
Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto "máfia do dendê", expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um Verdade tropical). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão.
Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
8 comentários:
Há coisas que não mudam. Por cá, por este rectângulo à beira-mar plantado, passa-se muito do género. Vou aguardar pelos comentários para ver o desenvolvimento.
Beijo :)
Pobre Nietzsche, jamais poderia imaginar em que tipo de contexto sua idéias seriam invocadas! Parece que defender os fortes contra os fracos seria engrossar o coro dos contentes e das unanimidades. E pelo jeito Caetano ignora a quantidade de medalhões e "fortes" que o filósofo alemão atacou.
Mas, para a incontinência verbal narcísica de Caetano, "fraco" é todo aquele que contesta minimamente o cadinho de suas idéias. Afinidades antigas viram rapidamente pés-de-chinelo chinfrins. Que Jorge Benjor jamais diga uma vírgula contra ele, pois seria rapidamente rebaixado de 'gênio' a imbecil de carteirinha.
É sempre o mesmo papo, culpar o ressentimento do brasileiro contra o sucesso. Uma ova! Esse país sempre teve a cultura de adoração dos bacharéis e medalhões, e sempre se prezou aqui mais o nome estabelecido do que as idéias fecundas.
Às vezes a indignação se volta justamente contra essa imunidade crítica da qual querem desfrutar incondicionalmente certos nomes consagrados em certas áreas, mesmo quando querem se meter em outros quintais. Ranço cansa.
Beijo.
Oi Adelaide.
Arrá, Caetano encarando a Veja e a FSP é sempre bom de ver/ler. Confesso que nesta história da Betânia comprei o peixe vendido pelo Otavinho e sai distribuindo bordoadas contra o uso do dinheiro público (bom não esquecer que os recursos captados implicam em renúncia de impostos por parte do governo). Não que alguém fosse se importar (falo das minhas diatribes no facebook). Mas eu também gosto de fazer jornalismo com o fígado, pô. Apesar dos bons propósitos da irmã de Caetano, continuo considerando que a política cultural do Estado é voltada para atender os interesses de artistas já consagrados, os chamados medalhões - profissionais que não precisam recorrer às benesses públicas para implementar seus projetos. Por exemplo, creio que Betânia não encontraria dificuldade em arranjar grana junto aos empresários privados para o seu projeto; a empreiteira OAS - baiana - certamente não se recusaria a financiar parte substancial. Mas se dá prá descontar no Erário Público, por que não? Assim caminha a cultura nacional, se curvando aos interesses dos poderosos. E mostrando o rabo aos oprimidos.
Cabe ressaltar a esperteza do mano Caetano ao incluir Chico na jogada - uma forma neutralizar críticas da esquerda. À propósito, de onde vem a bufunfa das premiações do Prêmio Jabuti? Será também o seu, o meu, o nosso dinheiro?
Bah, mas que barbaridade, tchê!
***
Beijo, Adelaide.
PS: tasquei lá no meu facebook.
Mas ainda não te convenceu em que sentido? A mim me convence mais a lábia (ainda que costumeiramente arrogante - não achei essas coisas "Verdade Tropical") do Caetano, mesmo confessando que antes, com o "atiraste várias pedras" na Bethânia (quase que uma Geni baiana do Chico), também lancei mão de algumas pedrinhas que encontrei no caminho... Abração e parabéns pelo excelente blogue!
sigo o caminho do sábio AC e vou aguardar o desenvolvimento do caso.
em princípio, como diria meu pai, estão errados os três lados: o dos que estão criticando a Bethania, o dos que a estão defendendo e o dos que estão em cima do muro - como eu!
abraço
Dade, essa turminha não se emenda mesmo, todos fazendo ação entre amigos, todos mamando nas tetas da vaca que é o dinheiro público. A captação da Bethânia pode ser legal, mas é imoral. Já que ela é tão poderosa e louvada assim, por quê não arranja um patrocínio de uma empresa, como por exemplo o Banco dos meninos dourados Moreira Salles? Seria mais exemplar e menos imoral. Até a Inês Pedrosa tomou-se de dores e cerrou fileiras com a cantante hoje no C2 do Estadão. Li com o sangue fervendo. Gosto muito do trabalho da Inês lá na Casa Fernando Pessoa, mas a partir de hoje ela também caiu no meu conceito.
Tasquei um comentário malicioso no Café literário do Cronópios, vá lá:
"Quem vai querer?
Pelos meus cálculos devo ter escrito uns duzentos poemas razoáveis. Tô pensando em líquidá-los. Considerando o montante nada excessivo de R$ 1.300.000,00 para que eu possa me aposentar e morar em Salvador num barraco ao lado da mansão da Bethânia, cada poema sairia por míseros R$ 6.500,00. É quase de grátis. Quem se habilita?"
Beijão
Amigos queridos, estou meio interdita no meio dessa gritaria toda, prós e contras, argumentos chovendo de todos os lados.
Entendo as razões de oposição ao projeto, mas se é verdade que o $ vem de renúncia fiscal, será tão grave assim?
Obrigada pelos comentários e opiniões. Preciso pensar um pouco mais e ver o rumo que as coisas estão tomando.
Beijos e abraços a todos.
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