Carlito Azevedo
Acredito na poesia como uma experiência que não para de se renovar, e ao longo do tempo pode tornar as pessoas melhores. O exercício da poesia induz o autoconhecimento, sem o qual ninguém sai do lugar. Dá a medida e o peso do que é preciso saber, porque ilumina a razão com a experiência mais íntima das coisas e dos acontecimentos. Aliás, poesia é acontecimento.
João Cabral de Melo Neto
Poesia não serve para rimar palavras ou burilar frases de efeito. Ela relativiza as defesas que criamos para nos aprisionar; remove as máscaras com que tentamos nos esconder ou nos engrandecer. Desmistifica toda fantasia que não exista para celebrar, mas para enganar os outros e a nós mesmos. O exercício da poesia revela a inutilidade de nossos álibis. É o par de asas a nosso alcance.
Adilia Lopes
Acredito profundamente na poesia, porque aproxima estranhos e diferentes, semeia um conhecimento para o qual não existem currículos bastantes, desperta o corpo e a alma das pessoas para uma liberdade que nada pode destruir, porque consegue dizer o que nenhuma outra linguagem comunica. Um bom poema é o simulacro de um momento na vida de alguém, com sua grandeza e fragilidade.
Adélia Prado |
Piotr Sommer |
Acredito na força da poesia, capaz de revelar a beleza de uma fruta, um corpo ou uma guerra; uma paixão ou um canto de casa empoeirado, a lama da estrada, as nuvens de chumbo – melhor ainda se o arco-íris não aparecer.
E porque não se impõe nem obriga a nada, acredito que a poesia é a expressão mais verdadeira da difícil liberdade humana.
NA – Este é um texto reeditado, pelas razões aí abaixo.
O MinC, Maria Bethânia e a poesia necessária
Na p. 2 do Segundo Caderno de O Globo de hoje, 18 de março, um artigo de Hermano Vianna trata da divulgação da poesia através de Maria Bethânia. De fato, há varios vídeos no YouTube em que ela divulga poemas de Fernando Pessoa, textos de Clarice Lispector ou de Guimarães Rosa. Todos esses vídeos contam com milhares de exibições, e vão para o YouTube sem autorização, pelo entusiasmo de algum espectador de show em que Bethânia declama poemas e textos de prosa poética.
Diz Hermano Vianna: "Foi pensando nisso, e querendo que a poesia e a prosa de nossa língua tenham melhor presença no ciberspaço, que tomei coragem de propor para Maria Bethânia uma ideia que pensava ser de utilidade pública." O projeto em questão, chamado "'O mundo precisa de poesia' terá sua base em um blog, e se espalhará 'viralmente' por toda a internet. Postaremos os mesmos vídeos no YouTube. Teremos comunidades no Orkut, no Facebook. Acompanharemos tudo via Twitter." E mais adiante, no texto que serve de lead ao artigo, ele afirma: "Acredito nos poderes da criação poética para transformar o mundo, acredito na beleza da língua portuguesa."
O MinC aprovou o projeto, mas existe uma corrente contrária, que acusa Bethânia de se beneficiar indevidamente e não aceita o orçamento de 1,3 mi previsto para sua realização.
A quantia não me parece excessiva, já que o site de divulgação promete atualização diária, os vídeos terão direção de Andrucha Waddington, Bethânia não trabalharia de graça e o custo de produção está compatível com o mercado. Fico imaginando se essa celeuma toda não tem por base apenas o preconceito que tanta gente ainda alimenta contra a poesia, por pura desinformação ou incapacidade de entender o que ela significa.
14 comentários:
Pior que o pre-conceito é não ter nenhum... conceito. Essa grita é sim, dos apenas "caminham para a morte, pensando em vencer na vida", como diz o poeta Belchior.
São as vozes de um coro de "cadáveres adiados que procriam", no dizer dolorido e lúcido de Pessoa.
Que essa polêmica seja levantada entre os poetas, entre os artistas e que se torne um movimento pela arte, pela saúde d'alma, pela vida.
Ave, Poesia!
Venha a belíssima voz de Bethânia dizer, como esplendidamente tem feito com os poetas citados e também com Sophia Andresen embelezar nossos dias!
(pergunto-me: quanto pagam aos humoristas, comentadores, etc. no Brasil pelos seus programas?)
Dade, sinceramente, eu não sei, juro que não sei. Mas desconfio muito de certas propostas "idealistas", "desinteressadas", "generosas". Quem ama a poesia se aproxima dela quase como um voluntário da esperança porque ela não tem mercado e jamais terá, o que talvez a livre das contradições de outras artes.
O orçamento não é exagerado? Bem, talvez levando-se em conta o meio do showbizz. Mas quando se pensa na dificuldade de se editar poesia, em quantos poetas não tem uns poucos milhares de reais, se tanto, para bancar a edição de seus livros... Quanto ganham um número enorme de pessoas que mantém blogs, sites, revistas eletrônicas sobre poesia? Quantos coletivos estão nas ruas lutando para divulgá-la? Quantas iniciativas muito mais profundas e profícuas do que essa vivem à míngua? Pensando bem, sei sim: quem não os conhece que os compre, ou quem não conhece os mecanismos. Se houvesse idealismo, com todas as facilidades de produção e mídias que há hoje em dia, eles dariam um jeito de produzir, aliás, já o teriam feito independentemente com muito mais recursos disponíveis do que "uma idéia na cabeça e uma câmera na mão". E diriam, peguem essa grana e fomentem concursos literários e outras formas de estimular e divulgar os autores.
Beijo.
eu amo poesia, respeito demais a bethania, mas eu sou pordutora de uma banda independente que rala muito, viaja por todo pais, e vê recursos publicos sendo direcionados a artistas que podem arrecadar isso na iniciativa privada. Cito tambem o Rappa que fez uma tour nacional com recursos da Petrobras, eles como uma banda renomada nem precisam disso!
Permita-me discordar em parte. Não acho que seja algo contra a poesia em si. Difícil avaliar o quanto vale a poesia ou qualquer arte. Há sim, muita "desinformação" sobre os benefícios/malefícios da Lei Rouanet, que tem quase 20 anos. R$ 600 mil para Bethânia é muito ou é pouco? O financiamento do esporte, aliás, pode ser discutido sob o mesma prisma crítico. Mas será que vale apenas o que vende? Que a lei de mercado, da oferta e da procura, sob o poder do patrocínio da mídia, do jabaculê, do marketing, podem de fato ditar uma base sólida para evolução cultural e esportiva de uma nação? São questões que sinceramente não sei responder de bate-pronto.
Bj
"Quem ama a poesia se aproxima dela quase como um voluntário da esperança porque ela não tem mercado e jamais terá..."
Aproveitei a fala do Marcantonio para não me repetir. Traduz o que eu penso.
Beijos,
Tânia
Eurico, obrigada por suas palavras e por entrar nessa polêmica. Penso em parte que a campanha e os gastos com ela se justificam, sim, embora se possam discutir quantias e processos de difusão.
beijo.
Amélia, você tocou num ponto nevrálgico da discussão. Obrigada pela contribuição, por sua autoridade no assunto e pelo ótimo comentário.
Beijo, amiga.
Marco, penso de certa forma o contrário do que você argumenta: será que uma divulgação bem organizada e competente não valorizaria essa poesia que se imagina necessariamente uma mendiga?
O problema é cultural. Ninguém, que eu tenha notado, está querendo SÓ ganhar dinheiro. Quem sabe os poetas anônimos e sem grana não teriam, como resultado, uma facilidade maior de serem editados, uma vez que a poesia se tornasse mais familiar ao grande público, mais acessível ao povo?
É, sim, uma questão publicitária, mas não vejo por que não se poderia tentar esse caminho.
Aposto que daria menos prejuízo que o mensalão ou as manobras indecentes de nossos políticos.
Mas que bom que a gente pode analisar essa questão sem preconceitos nem parti-pris.
Beijo pra você.
São questões bem difíceis de classificar e responder sem uma relexão, amigo Chorik. Você disse muito bem.
Beijo pra você.
Será mesmo, Tânia querida?
Quem sabe isso pode virar e o mercado se tocar da importância do gênero em nossa vida? Hoje em dia, não é tão difícil derrubar barreiras e mudar o rumo das coisas que pareciam imutáveis. Não dá pra garantir nada sem uma análise cuidadosa e uma tentativa de experimentar.
Beijo beijo.
Nada contra envolver a iniciativa privada nesse processo. Acharia até muito apropriado tentar recursos por esse lado e ralar como ralam as bandas no começo de sua existência ou os atores novos. Uma boa ideia.
Beijo, Lady.
Dade, até comentei no Twitter o seguinte: O mundo precisa de poesia. Fato. Mas é preciso gastar mais de um milhão num blog?!? Nem mesmo o Ministério da Cultura soube explicar direito como era o projeto. A blogosfera é um lugar democrático; conheci tanta gente boa que escreve, pelo simples motivo de dividir seu amor a arte. Poesia, sempre. Mas com criatividade.
Nanda, confesso que fiquei meio eufórica com a notícia do blog e da campanha. Não se trata apenas de um blog, como o Umbigo ou o Idade da Pedra. Esse blog tem um contrato com o MinC, um compromisso com Andrucha e Bethânia, um papel oficial a cumprir. Por isso, imaginei que teria mais força do que uma campanha partida de alguém anônimo, que trabalhe só por amor à arte e à poesia.
Pode ser bobagem minha, mas quem sabe esse destaque dado à poesia por um órgáo oficial traga mais força aos anônimos ou particulares que vivem teimando em publicar seus trabalhos para poucos leitores?
Beijão.
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