Fernando Pessoa
Em literatura, grandes
escritores não são os que fazem grandes revelações. Estas na verdade costumam
ser bem raras e precisam ser encaradas com senso crítico.
Verdades arrasadoras ou
absolutas, a não ser num contexto de fantasia, não aparecem em textos de
qualidade. A realidade em que vivemos mergulhados é quase sempre uma pintura
impressionista, de contornos imprecisos que não deixam margem a interpretações
radicais.
Ao contrário, um bom
autor costuma fazer balançar idéias cristalizadas, jogar alguma luz sobre a
importância da diferença e trazer à tona pensamentos que normalmente passariam
batidos e se diluiriam sem deixar rastros.
Estamos muito
acostumados a pensar por clichês que nos acomodam e tornam essa preciosidade
única que é a vida uma espécie parque industrial, onde para tudo há um modelo
pronto e ajustado ao preestabelecido.
No entanto, “tudo vale a
pena quando a alma não é pequena”. Ainda que não se concorde com a opinião do
autor, o maior ganho da leitura é a aquisição de elementos para reflexão – o
que não é pouca coisa. Vale não concordar, é claro.
Aí vai o texto, um pouco
polêmico, um pouco original, com algumas palavras grafadas à portuguesa.
A felicidade vem da monotonia
Fernando Pessoa
1888/1935
Em sua essência a vida é
monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à
monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em
suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.
Os ilógicos doentes riem
– de mau grado, no fundo – da felicidade burguesa, da monotonia da vida do
burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém
no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos
vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.
Parece, a princípio, que
as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são
poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada,
e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar,
porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.
Conformar-se com a
monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão
científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca
houve este hoje.
É claro que ele não
diria nada disto. Às minhas observações, limita-se a sorrir; e é o seu sorriso
que me traz, pormenorizadas, as considerações que deixo escritas, por meditação
dos pósteros.
Blogs que fazem falta
Numa terça-feira de maio de 2010, o blog a casa, o amante e o exílio, ora em repouso (que pena), publicou esse encanto:
mais que a quietude, o tempo
mais que o tempo, a energia
mais que a energia, o desejo
mais que o desejo, o encanto
mais que o encanto, o impulso
mais que o impulso, o ato
mais que o ato, o gozo
mais que o gozo, a quietude
mais que o tempo, a energia
mais que a energia, o desejo
mais que o desejo, o encanto
mais que o encanto, o impulso
mais que o impulso, o ato
mais que o ato, o gozo
mais que o gozo, a quietude
Fernanda Leturiondo
2 comentários:
Dade, bacana encontrar esse texto do Pessoa aqui. Não sou muito a favor da felicidade burguesa, que me parece muito acomodada. Mas concordo com uma coisa: o excesso de novidades ou a busca incessante por coisas novas não traz felicidade.
Adorei o poema da Fernanda. Um encanto, como você disse.
Um beijo
PS: vou lincar o Umbigo do Sonho no meu blog.
Sandrinha, penso exatamente como você. Obrigada pelo link, me dá uma grande alegria.
Beijo beijo.
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