sábado

O que tudo isso quer dizer?

Começou com a pobreza extrema da maior parte da população, o que, como todos sabemos, leva inevitavelmente a  jeitinhos para sobreviver. Não falo só de nosso século nem do século passado, mas de um estado de coisas que começou com a colonização e piorou com a chegada de um povo de pele escura, arrancado de sua terra de origem para servir às classes mais abastadas, mas nada esclarecidas.
Daquele tempo até aqui, a civilização do jeitinho desenvolveu um know-how admirável no Brasil e se estabeleceu de vez entre um número crescente de pessoas, obrigadas a levar a vida de forma precária, inventando expedientes para não morrer à míngua. As favelas  surgiram e grassaram nas cidades. Os números falam por si, porque ninguém escolhe morar na favela. Famílias inteiras tiveram que se adaptar à vida suada e desorganizada que é preciso enfrentar quando se nasce no meio do caos, urbano ou não. É preciso comer e vestir, dar de comer à família. É preciso morar em algum lugar. Assim como é preciso de alguma forma ter um refresco na vida, uma diversão qualquer, um jeito de se manter à tona para respirar.
Segundo a CIA World Factbook, o Brasil de 2009 estava em 65º lugar numa lista de 145 países, quanto ao número de habitantes abaixo da linha de pobreza (população de 198.739.269 x31%= 61.609.173,39 de miseráveis).
O ranking citado pelo Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004 analisava as condições de 177 países quanto ao bem-estar social:
“A desigualdade na distribuição de renda no Brasil o deixou na quarta posição entre os países mais desiguais do mundo, atrás apenas de Namíbia, Lesoto e Serra Leoa, todos na África Subsaariana, continente com os piores indicadores sociais do mundo.
O Brasil se iguala aos países africanos na fatia que os 10% mais pobres têm na renda nacional: apenas 0,5% [...]. O que evita que o Brasil seja o primeiro em desigualdade é a renda dos mais abastados”: os 10% mais ricos ficam com 46,7% da riqueza brasileira, enquanto na Namíbia, por exemplo, eles têm 64,5%.*
Dirão alguns experts em ciências ligadas ao social que muita gente de grana adere a recursos escusos por falta de ética e por maucaratismo. Isso existe mesmo – temos exemplos diários aos montes. Sonegadores, golpistas, achacadores, corruptos contumazes de todas as classes ou até assassinos e agressores, matadores covardes de mulheres, abusadores de menores, farinha do mesmo saco. Ter dinheiro não torna uma pessoa decente, porque não é o colégio de elite nem o conforto por si sós que definem o caráter de alguém. Personalidades deformadas existem em qualquer classe em todos os países do mundo.
Mas há gente que, seja qual for o nível de renda, ainda age como se vivesse na penúria em que viveram antepassados seus. Antes de subir na escala social, a família comeu o pão que o diabo amassou e teve que lançar mão do famigerado jeitinho para sobreviver. Essa mentalidade passa de geração em geração, pelo simples fato de que é em casa, com os pais e os avós, que se forma o caráter das pessoas.
Não é difícil entender que muitos descendentes seus tenham generalizado um comportamento não-ético e aceitem ainda, como gestos naturais, jogar lixo na rua, furar fila, dirigir alcoolizado, desrespeitar a lei do silêncio, praticar o gato, ultrapassar pelo acostamento ou estacionar em lugar proibido, para dizer o mínimo. "Tirar vantagem em tudo" foi um lema divulgado há menos de 20 anos numa propaganda que marcou época na mídia. Vai levar muito tempo pra mudar isso, se é que vai mudar algum dia. Talvez o Brasil esteja mesmo fadado a ser eternamente o país do jeitinho. Mas será só o Brasil?

7 comentários:

AC disse...

Não é só o Brasil, pode ter a certeza disso, é em todo o lado.
Nuns duma forma mais óbvia, noutros duma forma mais subtil, mas o que é certo é que esta é uma prática humana generalizada.

beijo :)

Lídia Borges disse...

Interessante esta reflexão.

Não, isso do "jeitinho" não é exclusivo do Brasil.
Há um desvalorizar contínuo da estrutura básica das sociedades que é a família. Se a raiz está pobre, como hão-de ser verdes as folhas da árvore.

Um beijo

Anônimo disse...

Dade, o próprio conceito de colônia de exploração já facilitava essa ideia de se dar um jeitinho. Só não sei se isso está passando de uma geração a outro pelo inconsciente coletivo junguiano.
Bj

dade amorim disse...

Creio que sim, Chorik. Tenho visto algumas demonstações disso na vida prática.
Gosto muito de seus comentários, viu?
Abraço!

dade amorim disse...

TEm razão, Lídia. É triste, mas é verdade.

Beijo!

dade amorim disse...

Dá o que pensar,AC. Se isso é da própria estrutura dos humanos, então não há muita esperança de que a ética consiga se impor nas sociedades. Uma pena, não é mesmo?

Um grande abraço.

Anônimo disse...

Tudo muda. Pode não melhorar. Pode consertar de um lado e entortar de outro. Pode crescer, ficar adulto como uma pessoa, mas num país tudo muda com o tempo. As tradições podem ser mais complicadas, e às vezes se conservam oralmente, mas não na prática. Não só no Brasil.