De férias sem prazo para voltar, quero agradecer aos amigos e desejar a todos alegrias e paz.
Beijos.
terça-feira
segunda-feira
Os doces pássaros
— Você
gostou um bocado dele, não é, Nina?
A cara
enigmática deu a entender que ela não ia falar do assunto e ele sorriu:
— Não
precisa responder, se não quiser. Fico curioso de saber o que pensam e sentem
agora os amigos daquele grupo antigo, separados e vivendo por conta própria há
tanto tempo. Tenho a impressão de que só agora sei a dimensão e a importância
para minha vida daquilo que vivemos juntos há vinte anos. Minha infância foi
muito inexpressiva, não tinha noção das coisas até entrar para a faculdade e conhecer
vocês e viver aquilo tudo que vivemos, que eu vivi – a militância, os sustos,
as derrotas, mas também o orgulho e o entusiasmo, a certeza de que íamos mudar
o mundo, a descoberta de quem eu era e do que podia ser. Eu me surpreendi
comigo mesmo, se é que você me entende. Não imaginava que pudesse tanto, que
fosse capaz de passar a perna em tanta gente, que tivesse coragem suficiente
pra tudo que acabei fazendo e vivendo. E vocês foram a lenha para o fogo, o
estímulo, vocês me ensinaram coisas, me fizeram ver a vida com outros olhos.
Quando eu olhava para vocês, ouvia as conversas, via como agiam, aprendia que o
mundo não é só o que nos oferecem em casa, que existem opiniões diferentes,
gente preocupada com outras coisas, outra realidade de que a gente nem se dá
conta enquanto vive como eu vivia entre quatro paredes, defendido do mundo como
se não pudesse me misturar. Minha família era o que se pode chamar de pobres
elitistas, achavam-se acima do resto da humanidade. À medida que fui crescendo
e abrindo os olhos, percebi que estava respirando nada, vivendo num vazio, e
que se quisesse conseguir alguma coisa na vida precisava me libertar, me
misturar, começar a viver a vida que todo mundo vive, ser um com os outros. Em
tempo percebi que o isolamento estava corroendo minhas potencialidades, minha
vontade de me afirmar como alguém.
Parou
meio engasgado, e Nina o incentivou.
— Acho
tudo que nós fizemos muito importante. Se ninguém nunca se arriscasse para
mudar o rumo da história, talvez a humanidade nem existisse mais na Terra ou
ainda estivesse brigando pelo fogo. Agora pelo menos se briga pelo combustível,
o que já é um progresso – falou, rindo. Mas não me refiro ao progresso da
técnica e da ciência. Quando se acredita muito em alguma coisa e se age para
melhorar condições perversas de vida, nos tornamos responsáveis por um
refinamento do trato entre os homens, por um lado mais gostoso do viver, que se manifesta quando se abrem espaços
de liberdade, independência, respeito pelas pessoas.
– É
isso, ele confirmou com o olhar alegre. Mas nunca se pode querer ser mais do
que um homem no meio dos homens, ou a gente se descaracteriza, começa a oprimir
de alguma forma, senta em cima dos outros. Eu me refiro a uma qualidade
interna, um sentimento que não pode ser abafado e que tem que ser ouvido porque
é o que as pessoas têm de melhor. Mesmo que seja poderoso, rico e famoso, o
cara tem que saber ser gente, entender que os outros têm os mesmos direitos que
ele. E por incrível que pareça, há gente, muita gente, que reage a esse
sentimento com unhas, dentes e armas. Levei uma sacudida com a morte do Alô.
Ele se matou, não é mesmo? Não aguentou o tranco.
Nina
fez um gesto rápido de assentimento, como se quisesse passar por cima desse
item.
— Li a
notícia. Percebi que por pouco eu não tinha feito o mesmo que ele em outro
estilo, se tivesse continuado trancado dentro de mim. As razões dele podiam ser
outras, mas o resultado ia ser o mesmo, só que teria sido uma morte lenta,
consentida dia a dia. Quem se mata, eu acho, é porque fechou todas as saídas e
ficou encurralado em um aposento acanhado demais onde não consegue mais
respirar. Ele tinha vivido tão intensamente, e acabava com tudo de um golpe. Eu
arrastei minha vida durante anos num marasmo completo até conviver com vocês e
ver como exercitavam seus desejos, como se deixavam contaminar pela vida, pelas
emoções, e como pareciam felizes e realizados. Até ser tocado pela febre do
grupo. Na verdade, há várias maneiras de se matar – acrescentou um pouco pensativo.
Mas estar vivo e não viver é pior que estar morto.
— O
doce pássaro que não vai morrer nunca não é o do Tennessee Williams – Nina comentou,
e trocaram um silêncio de cumplicidade.
sexta-feira
Dapieve pensa igual
Foto sem menção de autor.
Tenho grande admiração pelo Arthur Dapieve, colunista das sextas-feiras de O Globo.
Hoje, em especial, ele fala sobre as cotas, atualmente motivo de discussões mais ou menos acaloradas, porque sempre há alguém muito a favor e alguém muito contrário a elas.
Hoje, Dapieve diz em sua coluna tudo que eu penso, parece até transmissão de pensamento ou transmimento de pensasão.
Vejam esse trecho em especial:
"Passados 124 anos da Abolição, e desde então iguais perante a lei, brancos e negros nunca se tornaram iguais perante a realidade. É sintomático que uma sociedade que se acha isenta de racismo tenha 'se esquecido' de fornecer meios para que os ex-escravos disputassem oportunidades em pé de igualdade com os ex-senhores e imigrantes. Ainda hoje, pois, os negros em média ganham menos que os brancos por se concentrarem em atividades que os antepassados destes julgavam indignas. Sem renda para o melhor ensino privado, e com um ensino público sucateado, perpetuava-se essa situação à espera de que, nas calendas gregas, caísse do céu a justiça social."
Para mim, aí está o cerne do problema. Mas a coluna de Dapieve está toda um primor. Gostaria de ter escrito o que ele escreveu a respeito, porque penso tão igual que até mandei um e-mail pra ele. Se puderem, não deixem de ler. Acho muito necessário que se acabe com essa diferenciação absurda, que se continue discriminando as raças com cara de inocente, como se na verdade estivéssemos todos em pé de igualdade, porque não estamos e sabemos bem disso.
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