
duas noites fora de casa
contemplando a Via Láctea.
Kusatao Nakamura (1901-1983)
O título ruim do ótimo filme:
Foi apenas um sonho
Apesar da atuação da premiada Kate Winslet e do bom desempenho de Leonardo di Caprio, seu parceiro de naufrágios, pra mim o coadjuvante Michael Shannon, filho psicótico dos senhorios, mereceria o prêmio maior neste filme de Sam Mendes, diretor que é também marido da protagonista (e, dizem, monitorou as cenas de sexo de uma sala ao lado).
Se alguém achar estranho o comentário sobre um filme recente, que talvez nem seja "o filme da minha vida", eu explico. Foi apenas um sonho poderia bem ter se tornado esse filme, se o tivesse assistido há uns dez anos ou mais. É lúcido, quando fala das idealizações dos seres humanos ("cada um saber a dor e a delícia de ser o que é".) É um filme bem dirigido, bem interpretado e não tem nada a mais ou a menos, técnica ou artisticamente. Reconstitui com muita fidelidade o American Way of Life dos anos 50, contando um tipo de drama bem mais frequente do que se imagina - e que se tornou vertiginosamente comum com o passar dos anos, agora talvez entrando em certo clima de revisionismo.
É sobretudo sensacional quando põe no meio da história um personagem, egresso de uma clínica psiquiátrica, para esclarecer as coisas, ir direto ao ponto, ver com muito clareza o que acontece na cabeça de cada um - além de ser interpretado por um ator tão perfeito que dá pra duvidar.
Imagino que o que consideramos o filme ou o livro da vida de cada um depende do momento que se vive. Eu poderia ter escolhido Zorba, o grego, que me marcou de um modo especial. Ou Noites de Cabíria, La dolce vita, Sociedade dos poetas mortos, Central do Brasil, Terra estrangeira, Casablanca, Plata quemada e tantos outros. Cada um deles teve sua importância, e foi de algum modo um filme de minha vida.
Gosto de histórias que fazem refletir, especialmente se vêm com qualidades tão especiais em termos de arte e técnica. Foi apenas um sonho, além disso tudo, tem a (rara) virtude de não ser grandiloquente nem cair no sentimentalismo fácil, num tempo em que os efeitos especiais e os personagens apelativos dão um toque vulgar e cafona a tantas histórias que até poderiam ter rendido bons filmes.