
Desenho Bia Salgueiro.
O texto a seguir, assinado pelo amigo Walter C. Moura, parece bem pertinente a nosso tempo:
"No princípio, na infância da humanidade, os deuses eram risonhos e terríveis, como as crianças. Assim nos contam as mitologias, a respeito de divindades tão humanas que com humanos chegavam a procriar e a lutar. Havia até híbridos: os semideuses e heróis. As criaturas divinas eram, em suma, seres humanos com o dom da imortalidade e com poderes – e fraquezas – ampliados, para o bem ou para o mal. E, se não fossem reais, pelo menos seriam poéticas. Seguramente, mágicas.
Mais tarde surgiram as grandes religiões monoteístas atualmente existentes, falando-nos de um deus ainda terrível, mas já não muito risonho, bondoso é verdade, sobretudo inexorável, despojado dos humanos defeitos. A seus desígnios já não há possibilidade de escapatória ou burla – este deus não se apaixona, não se embriaga, nem persegue ou sente ódio, e sendo assim não esquece. Ao homem, resta compreender humildemente que é em tudo inferior ao ente divino, e aceitar tal fato com alegria no coração. Esta divindade já quase não é mágica, embora seja mística, e já não há nela poesia, mesmo que se possa encontrá-la em sua criação.
Por último, como fenômeno recente, surgiu a crença em outro tipo de ser superior. Definitivamente deixado de lado o caráter risonho e algo ingênuo, o novo ser supremo é completamente frio, cada vez mais infalível e despido de emoções, sejam as boas ou as más. Não há nele misticismo, ou magia, ou nada que não seja objetivo, tangível e palpável. À humanidade caberia, segundo seus profetas, submeter-se a seus desígnios e assim confortar-se, ou pretender negá-los, e perecer em miséria, ainda nesta vida, que com vidas futuras esta divindade não acena. À nova modalidade de deus, criado à imagem e semelhança de seus acólitos, chamam Mercado."
Como atenuante desse conceito que se pretende realista - e em certo sentido o é -, persiste a virtude dos que guardam a fé em um Deus único, verdadeiro e misericordioso, capaz de perdão e amor, que traz em si a possibilidade da esperança, seja em outra vida, da qual só podemos ter uma idéia imaginária, seja na paz interior que pode trazer uma vida pautada nos princípios de justiça e solidariedade, de cuidado de si e do próximo.
A sabedoria chinesa tem um provérbio bem eloquente:
"Nada assenta melhor ao corpo que o crescimento do espírito."
Notícia de além-mar
Um poeta e amigo de longe, Nuno Dempster, lança seu novo livro,
Dispersão.
Só para vocês sentirem a força, eis o poema de abertura:
Ítaca
Quando partires, em direção a Ítaca,
que a tua jornada seja longa... (Konstantinos Kavafis)
Se ao longe imaginares Ítaca,
que não te dê saudades.
Uma ilha é um monte sem caminhos.
Descansam nela as aves migratórias,
e a gente que a povoa
gasta o tempo a sonharem aonde irão
as aves no seu alto voo
quando partirem.
E sobretudo Ulisses há-de
segui-las com os olhos,
lembrando-se de Circe.
O azul, digo-te, é uma cor volúvel,
e o céu e o mar são só desertos.
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Update:
O curioso caso de Benjamin Button
Nem só de Brad Pitt (que além de bonito está maduro) vive esse filme: há o script perfeito, na contramão da realidade, correndo sem qualquer tropeço. Baseado no romance de F. Scott Fritzgerald, vale pela técnica perfeita, pela qualidade do cinema que oferece: direção, atores e efeitos especiais, usados em favor da narrativa (ao contrário do que acontece tantas vezes que já virou quase rotina), conseguem imprimir verossimilhança à história.
No fim, tem-se a sensação de ter virado a vida pelo avesso, de ter conjugado o presente pelo passado, de ter virado a experiência de cabeça para baixo. Talvez valha como um exemplo radical do que significa ser diferente dos demais. Mas vai bem adiante em termos de imaginação e sutileza da narrativa.
Conta uma história cheia de humanidade e aventura, com direito a tipos inesquecíveis, como o capitão-artista e Queennie (ótima, Taraji Penda Henson), a mãe adotiva de Benjamin.